Aiyra chama para dançar e resistir ao capitalismo em Leve

Aiyra chega ao segundo disco com liberdade para cantar sobre o que quer. (Foto: Rita Machado).

Após sua estreia com Quebra-Vento, de 2019, a potiguar Aiyra lança seu segundo disco, Leve, nas plataformas de streaming a partir dessa sexta-feira (25/03). Assim como o primeiro, o disco novo é mais um fruto da Incubadora Dosol, com produção musical do beatmaker paraibano Guirraiz e co-produção da própria Aiyra e de Yves Fernandes, direção artística de Anderson Foca, além de Ana Morena no contrabaixo e guitarras de Yuri Matias e Tal Pessoa, que também colaborou na composição de algumas canções ao lado da cantora.

Leve traz uma Aiyra com discurso político mais latente numa ambientação pop contemporânea, onde as percussões conversam com batidas eletrônicas, samples e influências de ritmos latinos e caribenhos, com reverberações que podemos identificar com o neo-pagodão baiano de projetos como Baiana System, ÀTTØØXXÁ e Afrocidade, junto a ligações com um pop latino contemporâneo que vai de Luisa e os Alquimistas a Rosalía. As presenças de representantes da música swingada nordestina atual engrossam o caldo pop do disco: direto da Paraíba há a presença da cantora Bixarte na faixa ”Ela vai triunfar” e do rapper Fontes na faixa ”O que eu quero”; Bixxatriz, cantora do Piauí mais conhecida pelo projeto Bia e os Becks, participa da música ”Sem pedir desculpa”. Além das duas, outra presença que se destaca em Leve é a da flautista Mari Santana, na faixa ”Rezo à mãe da rua”.

Musicista que reúne formação erudita e participação em projetos distintos como Igapó de Almas, Rastafeeling, Flor de Macambira, Catita Choro e Gafieira e diversos outros, Aiyra não se furta a trazer temas de primeira ordem nas discussões políticas atuais, refletindo e reagindo ao momento conturbado do mundo ao redor, e convidar o ouvinte a dançar como forma de resistir aos próprios impasses que vivemos na contemporaneidade. É nessa dança orquestrada para repensar as formas de opressão do capitalismo que Leve dá duas direções: uma forma no adjetivo, que dá o tamanho da leveza nas coisas, e outra no verbo, que nos demanda recolher algo dessa experiência pra levar conosco.

Sobre questões gramaticais como essa e curiosos sobre as influências por trás das músicas, conversamos com Aiyra sobre o novo disco. Confira a seguir e ouça Leve no YouTube ou na sua plataforma de escolha.

O seu primeiro disco tinha um enfoque nas percussões e na música brasileira mais tradicional. Esse segundo disco está já de início mais pop e contemporâneo, conectando-se com Luisa e os Alquimistas, Baiana System, Rachel Reis, etc. Como foi a passagem de uma proposta sonora pra outra? Como as duas se conectam?

Acho que as duas se conectam na verdade porque nunca estiveram desconectadas. O meu trabalho anterior já flertava mais timidamente com o pop, trazendo timbres mais atuais através dos synths e beats que se entrelaçavam com os sons dos tambores. O recorte de cada tempo, que acredito ser a melhor forma de se definir um disco, traduz o artista dentro de espaço tempo em sons, mas é um trabalho, precisa de início e de um fim. O nosso processo é contínuo, a transição às vezes nem percebemos. E fazer música atualmente permite que nós, artistas, passemos  por diversas sonoridades sem nos tornarmos porta-estandartes de qualquer vertente. Nesse novo álbum apresento quem sou nesse tempo atual através dos sons que agora me representam mais, mas já estou em mutação curtindo outras coisas que certamente virão no terceiro.

O tom político desse disco é bem forte, com menções a questões políticas que estão no debate público mais recente. Por exemplo, na primeira faixa você diz “por onde a gente for estátua de torturador vai cair, vai queimar”. Como foi essa intervenção mais direta, você pensou em fazer desse disco um libelo político pop já de cara ou essas questões foram se impondo ao longo do processo criativo?

Não. Não havia e nem houve durante o processo essa intenção na verdade. Falar de assuntos que perpassam a nossa sociedade tem sido, desde o primeiro álbum, uma tônica do meu trabalho. Isso na verdade é parte do que eu sou até esse momento. Nada impede que isso mude, pois realmente me sinto livre pra falar sobre o que quero. Essa pegada mais pop tem mesmo a ver com o meu momento, o que tenho ouvido mais e principalmente com a intenção de tornar mais LEVE tanto meu trabalho como minha visão sobre as coisas.

Aquela pergunta manjada: quais as influências, o que você ouviu durante o processo de elaboração, o que formou a estética do Leve?

A estética de LEVE é fruto de um processo bem coletivo, onde os backgrounds de Guirraiz (produtor musical), Anderson Foca (diretor artístico), Yves Fernandes e eu (co-produtores) se fusionaram de forma muito equilibrada. Além do que entregou cada músico que participou do álbum. Mas falando sobre minhas referências, do que eu estava ouvindo nesse processo e me inspirava de alguma forma, posso citar desde The Weeknd, passando por Flora Matos, Ava Rocha, Curumin, Rosalía, Ziminino, desembocando em Fantasmão, e muitos outres. Minha playlist é dessas (rs).

Pra finalizar: o que há de Leve nesse disco? Outra pergunta manjada, clássica: qual o motivo desse título?

O que há de leve nesse disco? A maneira que escolhemos falar sobre as coisas. Eu te proponho a repensar o capitalismo, pai de toda opressão, dançando um pagodão. Te chamo pra se amar e se priorizar dançando um funk. O título é sobre isso. Enquanto adjetivo LEVE é sobre tentar trazer leveza pro que já é difícil e já sabemos ser. Enquanto verbo, é “LEVE se quiser e se for LEVE pra você”.