Foto: Divulgação

Oriundo e um dos representantes importantes do boom da cena eletrônica natalense que se inicia entre 2015 e 2017, Mateus Tinoco esteve no centro de marcos importantes da estruturação desse cenário: um dos idealizadores da festa Disconexa, foi também um dos nomes por trás do LCD (Laboratório Cultural Disconexa), espaço no bairro da Ribeira que substituiu o antigo Centro Cultural Dosol na rua Chile com muita música eletrônica de todo o Brasil, e responsável, junto com outros DJs e artistas, pelo selo Disconexa. A marca Disconexa, portanto, está conectado com a própria identidade de Mateus Tinoco ou Tinoc, sua persona-DJ. Além do trabalho com a cena house natalense, ele também esteve envolvido em projetos como Potyguara Bardo (incluindo a produção do disco Simulacre, de 2019) e Gracinha, que lançará disco em maio de 2024.

Diante de tão ativa participação na arquitetação de uma robusta produção musical, Tinoc mais uma vez está no cerne dessa operação, dessa vez com um marco para a música eletrônica potiguar (e, por consequência, nordestina). Seu EP Desperto, lançado com o selo Disconexa no início de abril, é uma importante pedra na fundação da cena potiguar de house e techno, lançamento autoral que mixa ritmos tradicionais nordestinos com o profundo das ruas de Berlim, Nova Iorque ou Seoul. Com os pés na pedras da rua Chile mas o resto do corpo desperto diante dos sons das máquinas do mundo.

Conversamos com Tinoc a seguir:

Revista O Inimigo: O EP tem uma aproximação clara desde a primeira faixa com os ritmos nordestinos, mas sem perder características próprias do seu som. Como foi a concepção desse trabalho que reúne música eletrônica e música nordestina?

Tinoc: Eu sou potiguar, mas metade da minha família é de São Paulo, e eu cresci com muita referência musical deles: muita bossa nova, aquela MPB clássica… Mas meu pai também era louco pela música nordestina popular, e estudava bastante os ritmos mais clássicos como baião, forró, frevo, samba, e o movimento armorial foi muito presente nessa pesquisa dele, que era instrumentista e gravou na viola uma música chamada “Suíte Nordestina”, inspirada nesse movimento artístico encabeçado por Ariano Suassuna. Tudo isso ficou gravado na minha memória afetiva, e por isso eu decidi abrir o EP com essa homenagem ao meu pai, sampleando a música dele e misturando com minhas referências mais atuais da música eletrônica. 

Faz muito tempo que eu mergulho nas vertentes eletrônicas de pista: house, techno, breakbeat, downtempo… são ritmos que tem me inspirado e me feito dançar, e que eu já toco como DJ há bastante tempo, então eu já tava ansioso pra começar a produzir música nesses moldes. Daí eu simplesmente decidi produzir o que eu gosto de ouvir, e ao mesmo tempo beber também das minhas referências brasileiras e regionais, e experimentar essa mistura.

Eu vejo a música eletrônica como um movimento muito global e contemporâneo, e como um artista e apreciador do gênero, quis explorar esse caminho de misturar essas duas coisas (global e regional) e ver o que dava. Daí veio a ideia do EP. Convidei Elisa Bacchi, que também tem uma relação forte com a música nordestina, e acabamos fazendo mais duas faixas juntos. Convidei VZL Swami, que a gente já tava nessa aproximação com a banda Gracinha, e acho que a contribuição dele foi muito potiguar também. Só na última faixa do EP que eu viajei um pouco mais longe, sampleando um disco de Pedro Santos de 1968 (Krishnanda), trazendo o experimentalismo da tropicália, e ainda brincando um pouco com o funk.

Capa do EP Desperto. Arte por Andressa Dantas

Como você situa o seu EP na sua trajetória de DJ dentro da cena eletrônica natalense? Esse EP marca um momento na sua carreira, mas também na cena clubber natalense, que sai mais da noite e começa a lançar seus primeiros produtos, né?

Eu acho que esses anos de experiência como DJ na cena natalense me ajudaram bastante a construir repertório, e ir descobrindo aos poucos o que mais me instigava musicalmente. Mesmo já tendo produzido alguns trabalhos pra outros artistas, como foi com a Potyguara Bardo, esse EP representa pra mim o momento em que eu me assumo mais como produtor solo, e é algo que eu já tinha vontade de fazer faz um tempo. Agora a ideia é seguir nesse caminho, ouvir essa vontade de me expressar através da produção, descobrindo mais, criando mais.

Acho que não só a cena eletrônica natalense, mas a cena de música eletrônica, no geral, tá crescendo bastante. É muito louco acompanhar a explosão que tá rolando, principalmente pelo Brasil. E aqui em Natal a gente percebe que vários DJs estão começando a produzir, assim como eu, e isso é muito massa, é até contagiante. Eu sinto que a gente tem um potencial muito único pra explorar, que o que a gente faz na cena aqui da cidade, é diferente do que tá sendo feito em qualquer outro lugar do país.

E sobre a relação com o selo Disconexa, esse EP marca uma retomada e uma nova investida do selo?

Com certeza estamos em um momento de expansão. Desde que a gente transformou a Disconexa em selo musical, ainda em 2022, a gente tinha esse sonho de movimentar a cena de produção potiguar. E agora as coisas tão começando a fluir muito mais, e eu sinto que a Disconexa tá diante da responsabilidade de ajudar a representar esse movimento pro mundo. Tem muita produção eletrônica potiguar (de qualidade!) aparecendo, e eu acho que estamos só no começo.

Ouça o EP Desperto, de Tinoc, no Spotify:

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