Mineiro chegado num barulho bom, André Medeiros riscou o nome na música independente brasileira à frente da banda Top Surprise, com o selo Pug Records, e em diversos trabalhos de produção, mixagem e masterização para gente como Baco Doente, Oruã e Olympia Tennis Club. Agora chegou a hora de dar a cara a bofete e atacar solo, com o single duplo Morro / Dia 9, que chega hoje aos streamings.

Quem conhece o trabalho de André nas bandas que tocou ou produziu, vai sentir a diferença nessas duas canções solo. Saem as guitarras topadas, e vem chegando um violãozinho empenado acompanhado de baixo, bateria e percussão mínima à Moe Tucker. Outra novidade é que dessa vez André, que cita Mário de Andrade e Murilo Mendes na listinha de inspirações pro trabalho, arrisca cantar em português e não decepciona em letras que subvertem expectativas como na estrofe que abre “Dia 9”, canção pra embalar um ano só de quartas-feiras de cinzas.

trouxe um presente pra mim,
conchas e pedras de rim.
diz: "essa roupa lhe
cai bem, essa pose de
refém, o melhor
ainda vem". 

André Medeiros canta e toca violão nas duas faixas do EP, acompanhado por Victor Fonseca na bateria, Daniel Medeiros no baixo em “Morro” e Nicole Bello na percussão em “Dia 9”. A produção e mixagem ficaram a cargo do próprio André e a masterização, de Fernando Sanches (Estúdio El Rocha).

A seguir, ouça Morro / Dia 9 e confira o papo com André sobre influências, poesia e planos de shows e discos pós-pandemia.

Nos últimos meses têm chegado por aqui muitos trabalhos que foram gestados durante a pandemia, mas o teu talvez tenha sido o que saiu mais diferente do que você fazia antes, como músico e produtor. Como foi o caminho até esse trabalho solo?

Meu processo é cumulativo. Há muito tempo eu tinha vontade de fazer algo diferente, que tivesse a ver com a minha realidade atual, e deixei o tempo ajudar. Tive que reaprender muita coisa. Trabalhar com outras bandas, de vários estilos, me incentivou a gravar esse material, experimentar. Hoje moro na beirada de Juiz de Fora, uma área rural. Essa mudança foi importante também.

As músicas têm um toque bucólico mesmo, inclusive nas letras. Me chamou atenção você citar Murilo Mendes e Mario de Andrade como referências, aliás. Até pelas letras serem em português, já que eu conhecia mais o seu trabalho com a Top Surprise, que era em inglês.

Sempre gostei de escrever prosa em português, mas letra de música é OUTRO papo. Até chegar em algo que eu achasse legal, quisesse mostrar, foi uma jornada. O Mário de Andrade é uma figura que me fascina muito. O Murilo Mendes, em Juiz de Fora, é um nome muito falado mas pouco conhecido de verdade. Foi uma descoberta pra mim, esse cara daqui, que falou muito daqui, é nome de instituição e tudo mais, e você descobre que era um maluco, visionário.

Capa de Morro / Dia 9, de André Medeiros.

Poderia dizer o mesmo sobre algumas figuras igualmente malucas e visionárias da poesia do RN (risos). Ainda sobre as letras, senti no texto um pouco daquela “morbeza”, a beleza mórbida de que falavam Waly Salomão e Macalé. E isso me parece conectado com alguns toques de samba, de música brasileira setentista que aparecem nessas duas faixas. Essa aproximação com esse tipo de som, com essa estética foi uma pesquisa consciente?

Talvez na sonoridade eu tenha corrido atrás disso, técnicas de gravação, coisas assim. Sons como Macalé me ganharam nessa fase adulta, depois que a névoa do indie americano passou. Não que eu não goste mais de um Pavement, um GBV. Mas a morbeza deve ser natural. Deve ter também a ver com uma escrita por eliminação, digamos. Às vezes sai lindo demais, certinho demais, e você tenta bagunçar um pouco pra ficar mais real. O mundo sempre foi osso, né? Mas ninguém previu 2020 desse tamanho. Sei lá, quero ser positivo, mas se não for um pouquinho mórbido arrisca ser escapista demais pra esses tempos. Cabe reconhecer que tá osso. Me indica uns poetas do RN!

Rapaz, assim de cabeça, te recomendaria ir atrás de José Bezerra Gomes, Paulo Augusto, Zila Mamede, Miguel Cirilo. E da geração nova, Pedro Lucas Bezerra, que lançou livro agora em 2021 pela ed. Quelônio e escreve aqui no site. Vale sacar a Revista Poesia Subterrânea também. São dois poetas e tradutores daqui que garimpam poetas obscuros. Várias pérolas.

Foda! Vou sacar.

Voltando ao EP (ou single duplo?), me fala da capa… É uma pintura tua, certo?

É sim. Meio sem jeito, mas deu vontade. Eu penso como single, ainda na definição do século XX, mas tô notando que hoje single diz mais de uma faixa solta né? Pode falar EP também.

É, eu ainda tenho essa concepção meio antiga de “single”. Digo “duplo” porque, pra mim não tem um lado A e um lado B claros, as duas faixas estão a frente e se apresentam juntas: “Decifra-me ou te devoro”.

Hahaha, boa. Se rolar um 7″, não vou dizer qual é o lado A e o B.

No começo do ano, você soltou também o single “Fitônia”. Ela é fruto dessas mesmas sessões ou foi um lance diferente? Essas três faixas poderiam estar num mesmo álbum?

É fruto do mesmo processo de composição, mas foi gravada e lançada de um jeito mais descompromissado. Não tive pique de fazer arranjo, gravar bateria. Queria só dizer “oi, galera! tô vivo” As três poderiam e podem ser ouvidas em conjunto, sim.

Falando nisso, planos para um álbum ou algum material mais longo no horizonte? Show com banda é uma meta pro pós-pandemia?

Cara, achei que eu nunca iria dizer isso, mas sinto saudades de fazer shows, estrada. Quero que aconteça. Um material mais longo vai sair, com certeza. Álbum ou EP, depende da definição do século XXI. Vamos ver!

Meu caro, acho que é isso. Quer deixar alguma palavra final, transmitir alguma mensagem cifrada para a imensidão da internet, ou falar de algo que não perguntei? O espaço é seu!

Bom conversar com você, Alexis! Valeu pelas dicas. Vida longa ao Inimigo e todos os blogs de música.

Acompanhe André Medeiros pelo Instagram em @andremedeiroslanches.

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