Estreia: Bel_Medula apresenta “Os Ouvidos Têm Parede”

Foto: Alfamor

“Os Ouvidos Têm Parede” é o primeiro single de Semente, terceiro álbum do projeto Bel_Medula, da multi-instrumentista e compositora gaúcha Isabel Nogueira. A faixa, que chega às plataformas de streaming nesta sexta (12), ganhou um videoclipe inspirado pelo cinema experimental e dirigido pelo músico e artista visual Rieg Rodig, da banda Rieg e do projeto solo Riegulate.

Confira o vídeo abaixo, que estreia em primeira mão aqui n’O Inimigo:

Inspirada por uma frase que a artista encontrou enquanto navegava em uma rede social, “Os Ouvidos Têm Parede” é uma provocação sobre a importância da escuta em meio à diversas “constatações do absurdo” enumeradas na letra – “a escola tem censura”, “a mensagem tem mentira”, “a comida tem veneno”, entre outras. Absurdos sim, mas nem um pouco longe do cotidiano no estado atual das coisas.

Já o vídeo, dirigido à distância por Rieg, tem muita influência do cinema de vanguarda. Segundo o artista, americano que já morou em Berlim mas vive em João Pessoa há anos, a ideia pro vídeo bateu junto com uma enxurrada de sensações que lembraram seus tempos de jovem roqueiro.

Diz Rieg: “A música me veio como uma onda de lembranças da minha época em Berlim, especificamente do movimento Punk, além da arte e energia toda carregada da Neue Deutsche Welle. Eu morei na Alemanha na minha adolescência toda, entre 1994 a 2008 e sou muito ligado à cena musical alemã. E ‘Os Ouvidos Têm Parede’ é um rock/punk bastante avant-garde que tem contrastes fortes e identidade nacional plural, mas todos em prol do antifascismo. A letra da música também me remeteu a vida na DDR (Alemanha oriental), sempre muito restrito e lutando para consumir cultura de fora, o que era proibido. Troca e venda de vinis dos Rolling Stones no underground, no escambo, gente arriscando a vida para isso. Daí esse contraste, sujo, underground da arte me levou a uma releitura moderna de digitaltrash, webpunk com recortes e glitches, nessa era digital isolada mantendo esse espírito punk antifascista”.

Compositora, cantora multi-instrumentista e musicóloga, Isabel Nogueira iniciou o projeto Bel_Medula em 2019, com o disco PeleOsso. Já no ano seguinte, foi a vez de Luna e para 2021, ela prepara o lançamento do terceiro álbum do projeto, Semente.

Na entrevista a seguir, ela fala sobre a inspiração por trás de “Os Ouvidos Têm Parede” , de seu processo criativo e da concepção do vídeo, em parceria com Rieg.

Você comentou que a inspiração para escrever “Os Ouvidos Têm Parede” surgiu quando você leu essa frase em uma rede social. Nesse primeiro contato, o que a frase te despertou e como isso te moveu a escrever?

De primeira, a frase me atraiu pela força que a inversão das palavras trouxe na construção de um sentido oposto da frase-clichê. Um movimento simples, um rearranjo das mesmas partes, e tem um giro completo de significado. Isso é muito potente, é como se dissesse que a resposta estava sempre ali, ao alcance do olhar, só faltava ver (ou ao alcance do ouvido, só faltava escutar), era isso desde o início. Daí vem a vontade de compartilhar, aquele desejo coletivo de contar o que se descobriu, e então fazer uma música e tentar fazer com os sons o mesmo tipo de movimento desconcertante e revelador.

O arranjo da música também brinca com repetições de acordes, o que reforça ainda mais o que é dito na letra. A ideia do arranjo veio já depois do texto escrito? Aliás, como essas duas etapas do processo criativo – texto e música – funcionam para você?

A ideia do arranjo traz uma ideia de insistência que se reflete musicalmente no acúmulo de camadas. O arranjo foi pensando não só como repetição de acordes, mas como samples de voz torcidos e modificados com efeitos até perder a referência de seu conteúdo e acumulados uns por cima dos outros, refletindo sonoramente a dificuldade de escutar.

As camadas são: primeiro, veio a manipulação de uma voz com sampler granular, logo um algoritmo preparado no computador para tocar um sintetizador externo sob uma base rítmica de cajón. Depois disto, uma voz processada por um sintetizador modular completou a textura, onde colocamos uma bateria eletrônica reforçando a base rítmica e um groove de baixo fazendo um ciclo e por último gravamos a guitarra.

O processo de gravação da voz foi feito como se fossem duas pessoas diferentes apresentando seu discurso simultaneamente, sem se ouvir de verdade.

As etapas de texto e música funcionam muito juntas. Às vezes faço a letra e imagino o que deve ser a estrutura do arranjo, outras vezes começo a trabalhar na música e os próprios processos vão se desenvolvendo, o trabalho na música alimenta o processo criativo.

Eu penso na gravação e mixagem como parte do processo criativo, então muitas vezes o que eu penso da gravação vai sendo feito enquanto trabalho no computador.

Capa do single “Os Ouvidos Têm Parede”, de Bel_Medula.

O vídeo do single também tem um quê de cinema experimental e vídeo-colagem. Como foi a concepção do vídeo?

O contato com Rieg aconteceu no movimento 30dias30beats, quando em abril de 2019 e de 2020 se reuniram mais de 160 produtores e produtoras musicais de todo o Brasil para produzir uma música e um vídeo por dia, durante 30 dias. A troca entre todos os artistas e as artistas neste grupo foi muito intensa e muito positiva, resultando em intercâmbios de ideias e desenvolvimento de processos colaborativos. Rieg, o diretor e realizador do vídeo, foi um dos proponentes e participantes deste movimento, junto com Daniel Jesi. Eu gosto muito dos clipes que ele produz, e eles se aproximam muito da estética de mandalas experimentais em glitch dos vídeos que eu mesma faço para minhas músicas experimentais, então achei que as ideias iam se somar de uma forma muito bacana, e foi assim que aconteceu. Rieg tem uma sintonia muito boa comigo e com as minhas músicas. O processo do vídeo aconteceu a partir da captação de imagens que fizemos em casa mesmo, durante um único dia: Luciano Zanatta fez a captação a partir do que eu ia dizendo para ele que queria, e foi sugerindo elementos. Trocamos referências sobre outros trabalhos, e fiz o mesmo com Rieg. O resultado foi uma ideia visual complementar para música.

O que você pode adiantar do álbum Semente? Já tem data de lançamento?

Semente é um álbum de narrativa longa, que propõe uma escuta dedicada, atenta e profunda. Tem uma estrutura semelhante ao que eram os álbuns LP: uma obra com começo, meio e fim, Quanto à data de lançamento, posso dizer que será em junho, mas ainda não definimos a data.

Ouça os discos da Bel_Medula no Bandcamp.