Daniel Jesi é um conhecido músico e produtor paraibano. Já fez parte da Dalila no Caos, Burro Morto e Dalva Suada. Foi do Mutuca Estúdio e hoje faz parte do BBS Estúdio em João Pessoa. Toca com Rieg, no projeto Orijah e faz parte do coletivo de produtores FeRve. Produz para Bixarte, Filosofino e outros nomes da nova cena da Paraíba e do Brasil. Ou seja, tem uma história boa na música.
Daniel também criou o movimento #30dias30beats no qual durante um mês uma base de 1 minuto foi divulgada no Instagram junto com um vídeo por artistas e produtores de todo o Brasil. O resultado foi um intercâmbio de ideia, influências e parcerias. A ideia cresceu e chegou a virar o disco Kroutons, que você ouve abaixo enquanto lê o papo que batemos com Jesi para saber mais sobre o disco, seu processo e também sobre o que ele anda fazendo e pensando pro futuro.
O Inimigo – Vi que o disco é resultado do #30dias30beats. E que você foi idealizador do movimento. Como surgiu isso e como foi a interação com tanta gente boa?
Daniel jesi – Então, a ideia veio lá do BBS. Que é um núcleo criativo, tipo um escritório que eu e Rieg alugávamos pra ficar recebendo a galera e ficar trocando ideia não só de música, mas de filmagem, de fotografia… Eu estava lá um dia tomando café demais, querendo dar fim às minhas ideias e querendo criar um movimento que eu pudesse me estimular e fazer meus disco, mas que eu não ficasse dependente ou atrelado a uma pessoa. Então convidei algumas pessoas pra desenvolver a própria música junto comigo. Que é um grupo grande de produção, mas são discos feitos só e cada um tem seu mérito. Sugeri 60 dias de criação e acharam muito, sugeriram 30 dias. Ficou isso. Porque eu tinha feito uns testes antes e fiquei criando em um período longo por isso sugeri isso. Mas fechamos em 30 dias e músicas de um minuto porque era o que o feed do Instagram permitia. Chamei Hugo Limeira, Rieg, Guirraiz, Gabriel Souto, Paulo Gauche, Felipe Spencer e Biduca. Felipe Spencer foi quem achou o nome porque disse que o que eu dei não daria certo pra quem fosse careta (risos). Tinha que ser um nome mais acessível. Ele que fez a logo e deu o nome. O disco surgiu disso. Todas as músicas têm um minuto. Achei interessante porque tem a ideia de um conto que a pessoa lê e as vezes não tem uma introdução ou final. Todas as músicas vieram daí e eu interagindo com a MPC 1000. Foi crescendo no boca a boca e de 5 em 5 no fim do primeiro ano tinha umas 60 pessoas no grupo do whatsapp. Fora do Instagram, da hashtag.
A criação do disco girava em torno da performance, que eu tocasse os elementos. Não fosse algo pré-gravado que eu depois pudesse editar. Então todo dia eu montava um set com um grupo de música que eu gostasse, de um disco, ou algum acontecimento. Várias vezes acontecia alguma coisa ao meu lado porque tinha muita coisa no (estúdio) BBS e aí dava ideia pro start, ou a galera falava de um disco específico que eu conhecia ou ia conhecer na hora que a pessoa estava falando e eu recortava as coisas e tentava fazer a performance daquele jeito do dia. Então era uma performance com a MPC 1000 e os recortes com as coisas, como toca ou botava um elemento a mais. Não podia editar. E nem porque eu não queria, mas era falta de tempo mesmo. Porque percebi que pra deixar um minuto pronto demandava 3h30min do dia. Porque tinha que fazer a performance, me gravar. O primeiro ano fiz desse jeito, então cada música é particular do momento. As vezes a gente saia de meia noite do estúdio e quando entrava no carro eu lembrava que não tinha feito o beat do dia. Aí voltava, abria tudo e fazia.
Estamos ainda na pandemia. Mas esse lance das performances chegou a ser pensado para algo depois? Rolar um espetáculo com a trilha sendo essa produção?
Naquela época que a gente fez, 2019, eu estava tocando muito. Tava vindo de muito show com Rieg e outros projetos. Então naquele momento eu visualizava isso mesmo, como tocar se fosse chamado para tocar em algum canto. E tem uma coisa que a MPC 1000 me ensinou no processo, na época eu estava me envolvendo em umas bandas de jazz, tocando contrabaixo numa banda chamada Vermelho Marte, e rolava improvisos, todos músicos muito bons de improviso. E aí o que eu estava achando massa era construir as ilhas gerais de onde eu poderia aportar. Tipo onde ficaria o groove principal para que a música continuasse e tivesse algumas regiões que eu pudesse improvisar mesmo sendo os mesmos elementos. Tinha uma página do MPC 1000 que era o solo de sax, eu recortei, fatiei ele todo, e na hora da execução eu fiz de um jeito. Mas se fosse tocar em outro canto eu queria ter a possibilidade de fazer de outro jeito. Então o trabalho maior era construir o ambiente em que eu pudesse improvisar. Então tinha sim a preparação para tocar mas também para executar de uma forma diferente a cada vez de acordo com o dia ou o espaço. Tiveram umas sessions com Rieg que fazíamos em um café que fazíamos muito improviso, mas bases mais agitadas que eu usava no #30dias30beats que no café eu fazia mais tranquila com menos elementos. Então a preparação para tocar existia, mas também a possibilidade de improvisar.

E daí pra sair das bases com limitação de tempo do Instagram como foi? Só alongou ou colou trechos de outras, criou composições novas?
Então (risos) toda limitação causa uma ação e as vezes uma ação construtiva. Eu tentei lançar o disco na época pela distribuidora Lander, que é um site que faz master. Eu pago serviço porque faço as master das minhas músicas e dos clientes. E eles têm o serviço de distribuição. Eu tentei e eles falaram que os streamings não aceitaram as músicas com um minuto. Aí botei as músicas no Soundcloud que é uma comunidade muito específica e não me adaptei a linguagem. Aí Diego Pessoa, do Hominis Canidae, disse pra lançarmos nos streamings. E eu já tinha falado com ele pra rever a ordem das músicas, para pensar como um dj e ver como colocar as músicas que são experimentais em uma ordem massa. Aí ele refez a ordem e foi como entrou no Soundcloud. Mas aí falei pra ele que não tinham aceitado as músicas com um minuto e resolvi juntar duas músicas. E aí o trabalho maior foi achar as pontes de mudança. Tem umas músicas que os cortes são bem verticais mesmo, que é pra tentar manter essa parada do “kroutons” que é manter essa coisa dos snacks. Essa coisa do lanchinho, da coisa pequena. Queria mater essa ideia do disco, mas teve outras que editei botando um sampler, botando efeitos como uma que tem um copo enchendo, umas coisas que justificassem transições. Então a edição do Soundcloud é uma e dos streamings é outra. E ficou uma parada massa porque são duas versões. O IRSC (código de direitos autorais) foi gerado com as músicas coladas. Então Diego disse “ah mermão, então já que vai juntar as músicas o massa mesmo é misturar os nomes”. Aí os nomes ficaram meio doidos porque mudou o sentido de algumas.
Massa. Eu senti esse corte. Agora tá explicado. (risos)
É, tem os cortes. Mas se tu ouvir separado as músicas também tem várias que acabam com sensação de corte mesmo. Meio brutal. Mas é uma coisa com o vídeo também. Eu aceitei que era isso, podia começar do meio e terminar antes do fim. Mas é isso, são os snacks, os lanches.
O disco foi produzido todo por você e com base instrumental, apesar de inserções de vozes como a de Filosofino. Como foi a participação dele?
A gente estava gravando essa música na época que inclusive sai no disco dele esse ano ainda. Aí eu peguei o sample da voz e joguei nos pads e fiquei apertando até uma hora que encaixou os beats. Nesse dia a gente tinha conversado sobre algumas coisas e aí eu tentei cruzar as informações dos samples com as vozes que eu tinha gravado lá no (estúdio) BBS. Aí foi experimento. Botei uma base, vi que tinha uma performance e pensei que se rolasse uma voz menos cantada em cima dava certo. Aí lembrei da voz de Filosofino e arrastei e fiquei apertando os pads. No começo dá para perceber o teste, mas quando a voz dele entra fica mais sincronizado.
E quanto ao disco ser solo, eu tinha até conversado com Rieg e com a galera que é um disco solo mas não é solitário. Tudo que está ali é uma representação do que estava acontecendo a minha volta. Um retrato sonoro daquele momento específico. Era o meu ponto de vista. Mas de algo que estava rolando ao meu lado. Que eu não tinha domínio. Sempre me perguntei o porque de lançar algo só. Quando saquei que era uma fotografia sonora, aliviou demais a pressão.
Creio que durante essa pandemia você deve ter feito planos pra quando tudo acabar. Ou chegar a um ponto (vacinação) que consigamos viver minimamente de novo em grupo. Quais foram esses planos (falo da produção musical/shows/criação em conjunto presencial)?
É, mas teve muita coisa que surgiu durante a pandemia também. Tive muita sorte. Foi um gap muito certeiro eu e Rieg no BBS já mirando nessa parada do home office, a gente vinha treinando fazer o máximo com o mínimo e acabou que despertou um processo de produtor mais a frente. Apareceram mais projetos também e eu saquei que era um ramo que eu podia dar uma investida mais séria. Tentar produzir mais sem fazer a labuta toda. Pós-pandemia estou mirando nisso da produção mesmo, de produzir mais dentro de casa e tocar mais. Tem muito disco pra lançar. Tem o de Mari Santana, tem o de Filosofino, o de Rieg que vem junto com o game, tem produções pela Ferve que fiz com Guirraiz e Foca, a produção do Txio Paulinho, estamos fazendo da Dega… Então gosto muito de tocar, queria estar tocando. Mas pós-liberação não sei como vai ser então quero investir na produção de forma mais estruturada. Antes era um processo ciganão com Rieg. Tínhamos a sala mas podíamos sair a qualquer momento e agora tem uma base mais sólida. Então produção, tocar com os projetos que serão lançados e estou investindo em trilha pra game. Estou fazendo um curso na Audio Academy. Estou querendo entrar nesse mercado que é promissor financeiramente e tem uma coisa nostálgica minha pelo processo. E tenho sentido que tem muita geração que se interessa por trilha sonora, se manifesta por esse meio e isso tem entrado nas músicas. Aí entrei para fazer trilha e estou gostando de fazer efeito especial e mexer na parte de programação para interação da música com o programador e pegando referências no curso para botar nas minhas músicas e nas que vou participar. Então os trabalhos estão de vento em popa. Não sei se vai ficar nisso de sempre nos cuidarmos, mas a produção será independente disso. Produzir mais com uma base fixa.