Vamos parar com essa história de todo fim de ano dizer que “esse” foi difícil. Não tem palavras pra definir o que vivemos em 2020, mas se tem uma coisa que fez a gente continuar foram os bons discos lançados apesar deste ano __________________ (insira aqui o seu sinônimo de coisa ruim).
Como nos anos anteriores, a seleção foi feita a partir da votação dos integrantes da redação em um processo democrático, ainda que turbulento. Basta dizer que entre os mais de 100 discos indicados pela equipe, só um foi consenso: Rastilho, de Kiko Dinucci. Sendo assim, sem mais delongas, vamos aos eleitos da redação. Feliz Ano Novo e como canta a Facada, de Fortaleza, Amanhã Vai Ser Pior.
Voltamos em algum momento de janeiro de 2021. Até lá, cuidem-se e cuidem dos seus, não morram e não matem.

Chapa Mamba — Poeira Nenhuma
(Spotify / Youtube / Bandcamp)
Após um período de incomum silêncio, a Chapa Mamba está de volta com Poeira Nenhuma, uma novíssima coleção de rocks empenados. São 11 músicas em pouco mais de 20 minutos, que é o tempo perfeito para tomar um café, dar um tapa ou ler um gibi. Com jabs de sarcasmo teleguiado, o trio segue na cruzada contra o apocalipse pós-moderno com canções refrescantes e ligeiras, como “Água Em Pó” e “Ideia Errada”. (Leia a resenha)

Caixão — Da Porta ao Sumiço
(Spotify / Youtube / Bandcamp)
Depois de um promissor EP de estreia, o quarteto cearense mostra seu prog rock com toques de psicodelia em um álbum cheio de momentos luminosos. Exemplo perfeito disso é “Hora de Ir” que abre Da Porta ao Sumiço. Uma música que instiga e já se conecta com a seguinte, “Corrente”. Transitando entre paisagens solares e os confins de uma era medieval sombria, a banda cria uma trilha para um filme imaginário, com coesão e criatividade. (Leia a resenha)

Cazasuja — Dia de Preto
(Spotify / Youtube / Bandcamp)
O rapper natalense Cazasuja atravessa os rincões e as batalhas, as zonas e baldios, e vislumbra a fragilidade das fronteiras que podem ser facilmente atravessadas. Dia de Preto já nasce um clássico do rap potiguar e — por quê não? — um novo marco no rap nordestino. Com produção de Gabriel Souto (DuSouto, Luísa e os Alquimistas), os arranjos do disco atravessam o trap, o cloud, o phonk e até borram os limites entre o bate-cabeça do rap e o bate-cabeça do metalcore na faixa “Babilônia 2020”. (Leia resenha do disco e entrevista com o artista)

Clara — Volte e Pegue
Em Volte e Pegue, Clara Pinheiro passa por momentos distintos do que é ser mulher e preta, morando na periferia de Natal e tendo como norte sua própria família. Com esse suporte, ela se lançou em um caminho novo, deixando um pouco de lado o soul, o blues e o reggae, e dando vazão a uma veia eletrônica. A voz segue potente e com suingue, mas agora ladeada com os beats de Zé Caxangá e DJ Samir que mostram um trabalho dançante e denso ao mesmo tempo, para mostrar o peso do discurso que o disco carrega. (Leia a resenha)

Djonga — Histórias da Minha Área
Djonga chegou ao seu quarto álbum, também seu trabalho mais pessoal até aqui. Histórias da Minha Área conta as histórias de qualquer área, de qualquer parte do Brasil. São assuntos bem conhecidos: falta de oportunidades, violência, sonhos. A parceria com Coyote Beatz segue firme, e gerou um álbum forte do começo ao fim — a começar pela capa, uma das mais emblemáticas do ano.

Carpete Florido — Universo Paralelo
(Spotify / Youtube / Bandcamp)
Depois de vários EPs e mudanças na formação, eis o primeiro álbum cheio da clássica guitar band carioca liderada por Evandro Fernandez. Produzido na raça pela equipe do selo Transfusão Noise Records ao longo de dois anos, o disco é a conclusão emocionante de uma saga pessoal para os envolvidos. Faixas como “Encontros e Desencontros” e a faixa-título emocionam pela sinceridade e simplicidade. Ouça lendo o texto de Lê Almeida sobre o disco, publicado no Bandcamp.

Futuro — Os Segredos do Espaço e do Tempo
(Spotify / Youtube / Bandcamp)
Depois de um hiato de três anos, a Futuro pegou a redação de surpresa com um disco novo. Surpresa das melhores, diga-se. Já nos primeiros acordes de Os Segredos do Espaço e Tempo fica claro que o quarteto — Pedro Carvalho (guitarra e vocais), Flávio Bá (baixo) e Cauê Xopô (bateria), e Camila Leão (voz) — mantém a pegada dos discos anteriores, misturando influências e passeando do punk ao psicodélico com muita personalidade. (Leia a resenha e entrevista com banda)

Valciãn Calixto — Nada Tem Sido Fácil Tampouco Impossível
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O título do segundo álbum de Valciãn Calixto certamente não é estranho aos que acompanham o trabalho dele. Espécie de lema que aparece em textos, postagens nas redes sociais e entrevistas, a frase resume o modus operandi do cantor e compositor piauiense. Musicalmente, o disco é uma babel de sonoridades — axé, funk, forró, rock — que traduzem a visão do artista sobre temas como espiritualidade, família e trabalho. (Leia a resenha)

Josyara, Giovani Cidreira — Estreite
Amigos de longa data, Josyara e Giovani se juntaram para criar um disco que vai da sutileza ao exagero. Mais do que normal não agradar a todos os ouvidos. A produção de Josyara marcada pelo cancioneiro e as ideias experimentais de Giovani se entrelaçam e dão forma a um terreno fértil e criativo.

Julico — Ikê Maré
Em sua estreia solo, Julio Andrade (guitarra e voz da The Baggios), vai além das sonoridades que marcam o trabalho da sua banda, conhecida pela mistura de rock, blues e psicodelia. Em Ikê Maré, Julico vai buscar no soul e no funk de gente como Tim Maia, Hyldon e Jorge Ben, ou do papa Curtis Mayfield (ouça “Eu são/Curtis says”), “novos” referenciais para ampliar seu universo e tornar sua obra ainda mais abrangente. (Leia a resenha)

Negro Leo — Desejo de Lacrar
(Spotify / Youtube / Bandcamp)
O disco mais hypado do ano é um álbum de ótimas canções tortas, mas também um manifesto estético-político-social em forma de… ativação de conteúdo no Instagram? Sabe-se lá quantas dissertações acadêmicas ainda serão escritas sobre Desejo de Lacrar, mas para o presente momento ouvir tiradas empenadas como “Dança Erradassa”, “Tudo Foi Feito Pra Gente Lacrar” e “Eu Já Lacrei” já basta para talhar mais fundo o nome de Negro Leo entre as vozes mais originais da música brasileira de agora.

Kiko Dinucci — Rastilho
(Spotify / Youtube / Bandcamp)
Em Rastilho, Kiko Dinucci volta sem a pegada punk, mas com um violão percussivo e voz. Pouco? Não mesmo. O atestado da ruralidade, ou senso interiorano do disco se faz notar em várias passagens. Como no trecho “Foi batendo o pé na terra que vovó me ensinou a sambar”, uma composição antiga de Kiko que só agora veio à luz. Marcas de discos do Metá Metá e Passo Torto estão logo na abertura do disco, vide “Exu Odara” e “Olodé” com pegada de canções de terreiro. Também há melancolia em “Vida Mansa” e duelo vocal com Ava Rocha de gritos e rosnados em “Dadá”. (Leia a resenha)

Mateus Aleluia — Olorum
Olorum, terceiro álbum solo e primeiro totalmente autoral do ex-Tincoãs Mateus Aleluia, segue a receita dos dois discos anteriores na sua construção, com músicas longas e composições que misturam o erudito com o popular. Como se o Candomblé estivesse no palco de um grande teatro. Mateus traz, ou continua trazendo, para o centro da audição toda a tradição da cultura negra no Brasil. Uma tradição, que apesar do preconceito, está no nosso dia a dia em forma de música, vestuário, comida e muitas outras influências. (Leia a resenha)

Vovô Bebê — Briga de Família
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Pedro Dias Carneiro é o nome por trás da banda (ou alcunha ou projeto) Vovô Bebê. Mas para dar vazão às ideias, outros nomes entram em cena. Em Briga de Família são 8 músicos além do próprio PDC, além de outras participações. O disco, assim como as produções anteriores, passeia por nonsense literário e experimentações musicais, em um longo passeio por uma MPB mais torta.

Sepultura — Quadra
Como os discos da fase mais recente do Sepultura, Quadra também é um álbum conceitual. O tema aqui é o Quadrívio, conjunto de quatro matérias essenciais (aritmética, geometria, música e astronomia) ensinadas nas universidades helênicas na Idade Média. Tal e qual, as doze faixas do disco são divididas em quatro grupos de três músicas cada, que refletem as diferentes fases da banda — do thrash metal aos experimentos percussivos, da veia progressiva aos flertes com composições sinfônicas. Na altura do 15º disco, o Sepultura apresenta vitalidade criativa rara em bandas com tanto tempo de estrada.

Flaviola — Ex-Tudo
Ex-Tudo, primeiro disco de Flaviola em 44 anos, anda pelo passado, presente e futuro. Sem medo. Algumas músicas apontam para um cenário bucólico, ancorado no folk, como “A Ideia” que abre o disco com cara de 1976. “Bambu” segue no clima, mas em “No Centro d’Ação” já se percebe que Flaviola não se prende ao passado e mostra um caminho apontando para frente. Introspecção ainda é um bom mote para se escrever e a voz do cantor dá o peso necessário para olhar para dentro. “Sem Tema” já aponta uma veia mais pop, com uma pegada dançante, e fala de limitação. (Leia a resenha)

Firefriend — Fantasma
Mesmo em quarentena, o prolífico trio paulistano não deixou de produzir em 2020. Depois de um bootleg oficial (Hotel Bar), a Firefriend soltou já nos finalmentes do ano um álbum de inéditas. Fantasma encontra um meio termo entre o barulho e a psicodelia que marcou os anteriores Yellow Spider (2018) e Avalanche (2019), com ecos mais presentes de dream pop, como nas quase dançantes “666 Fifth Avenue” e “Dead Icons”. Mas o peso de sempre comparece em “Tomorrow” e no single “Three-Dimensional Sound Glitch”.

Clandestinas — Clandestinas
(Spotify / Youtube / Bandcamp)
Direto de Jundiaí (SP), o trio Clandestinas é uma banda declaradamente militante do feminismo e antifacismo. Em termos de som, vai em outra direção e passa longe do clichê “banda de rock engajada”. Não bastasse destoar ao fugir da sonoridade mais pesada, o trio ainda traz outras influências inusitadas que vão do pós-punk ao forró. Nas letras, o álbum Clandestinas, lançado em maio, oferece uma aula do que as mulheres e minorias sofrem no dia a dia, sempre com arranjos de crus e criativos. (Leia entrevista com a banda)

Luedji Luna — Bom Mesmo é Estar Debaixo D’Água
Em seu segundo álbum, Luedji Luna se volta para o interior. Teria sido uma pausa necessário diante do cenário social atual e da gravidez de Luedji (o filho Dayo nasceu em julho)? É possível. Ao longo do álbum, ela passeia com naturalidade pela ancestralidade (parte do disco foi gravado no Quênia) e pelos dias atuais em uma obra bela, que fala de amor e de vingança de forma natural. Da mesma forma que fala do íntimo, do que se passa pela cabeça, ou das ruas em pleno carnaval e ainda da necessidade de ir e vir sem barreiras. (Leia a resenha)

Juyè — Do Desapego ao Amor
Libertação e cura ao som de R&B, soul, MPB e Jazz. A estreia de Juyè traz à tona uma obra marcada pela perda de um filho e pela chegada de uma outra vida. Ou seja, um disco cheio de sinceridade, sentimentos a flor da pele e superação. O disco conta ainda com elenco de participações estelares, como BK’, Thiago Jamelão, CHS, Laura Sette, Ainá e DJ Cinara que ajudaram a dar a cara delicada e forte do disco.

Guilherme Held — Corpo Nós
(Spotify / Youtube / Bandcamp)
Guilherme Held chega ao disco de estreia depois de atuar por anos na cena paulistana com sua guitarra de sonoridade filha de de Lanny Gordin que, por sinal, está no disco. Guilherme mostrou seu lado compositor e escalou um time variado de artistas para dar voz às suas ideias, convidando figuras como Juliana Perdigão, Filipe Catto, Tulipa Ruiz, Juçara Marçal e Rômulo Fróes.

JUP DO BAIRRO — Corpo sem Juízo
Jup do Bairro foi uma das artistas que mais cresceram em 2020. Muito disso foi fruto da parceria com Linn da Quebrada, que mudou a carreira de ambas. Em Corpo Sem Juízo, Jup explora temas intrínsecos a sua vida e de tantas pessoas que vivem sob o olhar do preconceito. Um disco necessário em todas as formas e que abre caminho para um crescimento que vai além da música e se estende à arte como um todo. Destaque para “Luta Por Mim”, que mostra como muita gente se aproveita das lutas que não são suas, reflexo das redes sociais e do engajamento. Mas no dia a dia a verdade é outra.

Letrux — Letrux Aos Prantos
Letrux aos Prantos tem sim um caráter de ressaca pós-esbórnia, mas uma ressaca após o fim de relacionamento e as tantas análises, desculpas, choros, arrependimentos. Por mais que a primeira parte do disco — entre “Déjà-vu Frenesi” e “Cuidado, Paixão” — seja de lamentação/análise do que passou, com “Sente o Drama” há uma virada. Risadas são ouvidas em “Fora da Foda”, com participação de Lovefoxxx, eterna ex-Cansei de Ser Sexy. O que se vê é uma depuração do disco anterior (Em Noite de Climão), mas com uma pegada mais introspectiva. Dado que o clima do álbum novo não é de festa. (Leia a resenha)

Academia da Berlinda — Descompondo o Silêncio
Descompondo o Silêncio traz o ritmo dançante característico da Academia, mas um requinte de sobriedade e serenidade também. É um disco que soa confortável de ouvir do início ao fim, traz a sensação do conhecido, sem parecer repeteco. Mantém a experimentação e mistura de ritmos que o grupo produz muito bem há 16 anos e demonstra um amadurecimento sem perder o jeitão jovem. As letras seguem a linha de composições sobre o cotidiano, versam sobre o momento de radicalismos e angústias.

Mahmundi — Novo Mundo
Terceiro disco da Mahmundi traz uma intro e 6 canções que transitam por diferentes ritmos, entre MPB, Pop, R&B e reggae, sempre carregadas de um lirismo leve e convidativo. O que parece, a priori, econômico na verdade mostra uma ótima performance criativa da artista, que em pouco mais de 20 minutos, mostra um som com mais cara orgânica, menos carregado em sintetizadores. Em geral, o álbum transita entre o ensolarado e o intimista, as letras que remetem a reflexões sobre relações humanas, o modo como vivemos em sociedade e como nos construímos.

Wado — A Beleza Que Deriva do Mundo, Mas a Ele Escapa
Wado optou por fazer um disco sem elementos de percussão, característica marcante em grande parte da sua discografia. O que não tira o brilho da obra ou a torna “chata” , diga-se. A Beleza que Deriva do Mundo, Mas a Ele Escapa tem toques de timbres acústicos com synths e elementos eletrônicos, presentes em algumas músicas. Tudo sempre de acordo com a necessidade do momento, na dose certa, na medida do que cada música pede e compõe o todo de forma simples. (Leia a resenha)

Edi Rock — Origens Parte 2: Ontem, Hoje e Amanhã
Um ano após lançar Origens, o racionalEdi Rock apresenta um novo disco, que funciona como uma sequência do anterior. A Parte 2 conta com 15 faixas de rap clássico e direto, com uma constelação de participações especiais, de Jorge du Peixe (Nação Zumbi) e MV Bill ao pagodeiro Thiaguinho, em um disco de discurso afiado e beats impecáveis. Olho aberto para as mazelas atuais, mas com coragem e disposição suficiente para imaginar um futuro melhor.

Marcelo D2 — Assim Tocam Meus Tambores
Este é de longe uma dos discos mais inventivos e inspirados de Marcelo D2: Assim Tocam Meus Tambores exorciza os humores de um ano em que muitos “pedem calma” àqueles que “não venderam suas almas”. O disco, repleto de colaborações, foi produzido e lançado no meio da pandemia da COVID-19 e muitas das canções e participações foram submetidas a essa lógica. Canções como “Rompeu o Couro” — com Juçara Marçal, BK, Baco Exu do Blues e Anelis Assumpção — e “Malungo Forte” — com Russo Passapusso e Helio Bentes — se sobressaem nesse trabalho que demonstra a versatilidade e a voz de D2. Assim Tocam Meus Tambores aponta para um ano “perdido” acendendo asluzes para o futuro.

Taco de Golfe — Nó Sem Ponto II
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O segundo álbum do trio de Aracaju evolui para pontos cíclicos, labirínticos e até viajantes. Ou seja, o trio busca aprimorar seu som se perder a essência apresentada na estreia com Folge. Bateria e baixo se acomodam por entre os acordes de guitarra formando camadas que mostram que o simples, mas executado de forma correta (oi?), soa bem melhor do que algo exagerado que termina sendo forçado. Algumas músicas, inclusive, começam com um clima e terminam com outro, ganhando força ao longo de sua execução.

ÁIYÉ — Gratitrevas
(Spotify / Youtube / Bandcamp)
Ouvir Gratitrevas, álbum de estreia do projeto solo de Larissa Conforto (ex-Ventre), no momento atual é um exercício quase que de expurgo. Em meio a batidas, camadas, letras, há uma presença — mesmo que sem querer — visionária. “Semente”, com a simplicidade da letra que fala em asfaltar e mesmo assim brotar, abre o disco mostrando que diante das adversidades se pode achar alternativa. “Pulmão” pinta um cenário urbano em transportes que é possível levar, adaptar, a outras situações. Outras realidades. Esvaziar o pulmão nos dias de hoje tem se tornado não uma opção, mas uma obrigação. O pulmão, o cérebro. (Leia a resenha)