Juçara Marçal lançou seu segundo disco solo, Delta Estácio Blues. Um discaço, diga-se. Que, por coincidência, saiu um dia após nossa entrevista com Gustavo Infante que lançou Pássaros, disco onde ele explora o violão com delays, fita cassete, reverbs e outras experimentações. O começo da conversa com Gustavo foi sobre o que é MPB e uma provocação de um amigo que disse que somos a última geração que vai ouvir MPB. Isso por causa das superproduções eletrônicas/pop.
Cresci ouvindo meu pai escutar os clássicos da MPB setentista. Gal, Caetano, Gil, Chico, sambas, bossa. Acho que peguei abuso de tanto que ele escutava. Quando viajávamos pro interior era 1h50min das mesmas fitas k7. Ele tinha duas caixas de fitas. Mudar era botar um disco dos Beatles em casa na radiola.
A certa altura das descobertas musicais conheci o rock/pop dos anos 80 na casa que moro há 10 meses e morei no começo dos anos 90. Quase 30 anos, depois voltei. E o “voltei” quer dizer também sonoramente. Comecei a ouvir de forma inteira os primeiros discos de Gil, Caetano, Gal de Tom Zé. Chico, nunca fui muito chegado. Só o Science. A volta também se deu com Timbalada e Olodum que conheci lá nos anos 90 também. Todos os citados até agora são artistas radiofônicos. Ou eram.

Na incessante luta por música nova, cheguei ao Metá Metá e aos trabalhos solos de Juçara, Kiko Dinucci e Thiago França. Todas obras indispensáveis. E de MPB. Delta Estácio Blues é isso: MPB. Uma mistura que de tão estranha, soa única. Com concisão. E nela eu vejo ecos dos Racionais, de Lia de Itamaracá, de sambas antigos ou novos. De Luiza Lian, Baiana System, de Jotaerre que soltou Tempestade também semana passada, outro discaço. (Para quem chegou agora, Jotaerre é guitarrista da baiana Psirico. A sonoridade está lá na guitarra e na percussão. Inclusive o disco é melhor do que o lançado pela também Baiana System em 2021).
Voltando a Juçara: o que faz de Delta Estácio Blues, um dos discos do ano, é exatamente a exploração sonora e de colaboração. Há diversidade nos arranjos e nas letras do disco. Juçara dá voz a letristas, artistas como Tulipa Ruiz, Tantão, Ogi, Siba e outros, que se destacam cada um em seu nicho. Mas aqui estão juntos em uma obra densa que a cada audição traz novidades. Se lá nos anos 70 a guitarra causava alvoroço à dita MPB, hoje o eletrônico altamente explorado no disco de Juçara – e de tantos outros artistas – não causa mais essa estranheza toda. Soou estranho sim quando a voz de Juçara chega ao ponto de eu pensar que era Jup do Bairro. No disco que vai de uma Ciranda (pra mim) na abertura com “Vi de Relance a Coroa” e une Robert Johnson a Bide, Baiaco e Ismael Silva, clássicos sambistas cariocas da Estácio na música de Rodrigo Campos que batiza o disco, poderia soar estranho. Mas no caos sonoro e de experimentações – a que se propõe Juçara com seu parceiro Kiko Dinucci, cabe tudo.
O que é a MPB se não juçara emulando velhos e jovens artistas brasileiros? Ontem, hoje e amanhã ouvidos atentos continuarão a descobrir a boa música brasileira. Sem rótulos. Ouça com atenção.