Pergunte a quem frequentou o underdround natalense na primeira década dos anos 2000: qual era a melhor banda da cidade naquela época? Noves fora, é bem provável que a resposta seja Bugs. E o motivo é simples. Quem teve oportunidade de vê-los ao vivo não esquece.

Seja no palco de algum festival ou em algum rolé subterrâneo como os que rolavam no Centro de Convivência da UFRN (onde os vi pela primeira vez, numa noite dividida com SeuZé e Pangaio), o trio Paolo Araújo (baixo e voz), Joab Quental (bateria) e Denilton Soares (guitarra) nunca deixou de impressionar pela combinação de barulho, boas melodias e psicodelia. Sem gelo seco, sem “conceito”, figurino combinando ou firulas afins.

Paolo credita a boa fama do trio nos palcos a uma lição aprendida com uma das principais influências da banda. “A gente aprendeu com os Pixies que o negócio era o seguinte: suba no palco, toque, faça um show legal e não fique conversando merda no microfone”, diz, rindo. “Acho que isso deixou o show da gente interessante. E depois, cada um tinha sua viagem né. Denilton começou a arremessar guitarra, Joab a derrubar os pratos da bateria… Enfim, essas receitas do rock pra lá de batidas, mas que funcionaram na época e tinham um impacto no show.”

Um parque de diversões na cabeça

Capa do álbum Bugs (2003), lançado pelo selo Mudernage.

Pra quem não viu ao vivo, felizmente a sonoridade do Bugs ficou registrada em três EPs e no único álbum cheio da banda, homônimo, lançado em 2003. Gravado no estúdio Ícone em Natal, com produção da própria banda com Vlamir Cruz (do selo Mudernage e ex-Cabeças Errantes), o álbum aproveita as quatro faixas do EP Je Suis Un Révolutionnaire, o famoso disquinho verde lançado um ano antes pelos selos Solaris Discos e Mudernage, e traz outras nove faixas inéditas.

O EP, que apresentava as canções “Náusea”, “Laydee”, “Perfume Noturno” e “Edgar”, foi uma espécie de test drive de estúdio e de recepção de público, que deu o norte para a sonoridade que a banda buscaria na hora de gravar o disco cheio. Paolo lembra que o processo de gravação foi rápido, mas marcado pela liberdade de experimentação com carta branca de Vlamir, que deixou a banda à vontade para lapidar a sonoridade desejada.

“A gente simplesmente foi vomitando ideias. Já tinhamos muitos conceitos do álbum, e coisas que a gente queria fazer. Mas calhou da gente ter sorte e liberdade de poder fazer. Coincidiu também naquele momento de Joab trabalhar com Vlamir no Ícone e Vlamir ter deixado a gente exercer a nossa arte do jeito que a gente queria, sem amarra nenhuma. Isso é um luxo, cara. Poder experimentar as possibilidades de um estúdio com as horas correndo e você estando livre pra isso. A gente quando entrava pra gravar era como uma cápsula, um parque de diversões. Mas era tudo em prol de um resultado. Não era ficar lombrando sem caminho nenhum. A gente tinha um caminho, uma estética artística que a gente queria atingir”, conta Paolo.

A sonoridade do disco com timbres e arranjos inspirados no proto-punk de Detroit e na psicodelia Syd-Barretiana aliados às letras poéticas colocaram o Bugs em uma posição singular na cena independente da época – a de uma banda com influências assumidas, mas com personalidade própria. Ouvidos calejados poderiam ouvir canções como “Bella Kiss” e “Olhos Nervosos” e intuir o que os caras gostavam de ouvir, mas dificilmente alguém confundiria uma música do Bugs com a de outra banda daqui de Natal ou das redondezas. Vinte anos depois, ainda é difícil encontrar bandas assim por aí, o que dá ao disco um inegável frescor de novidade.

Pelos festivais e além

Lançado pelo selo Mudernage e viabilizado pela Lei Municipal Djalma Maranhão de Incentivo à Cultura, o álbum Bugs conquistou a melhor repercussão que uma banda independente poderia conseguir na época. A banda foi indicado ao Prêmio Hangar de Música nas categorias Revelação e Banda Underdround, e colheu elogios da imprensa local e de publicações do meio alternativo, como a revista Dynamite, e o site Gordurama. A recepção calorosa do disco catapultou a banda aos palcos de alguns dos principais festivais independentes do país, como MADA (RN), April Pro Rock (PE), MOR-MARÇO (PB), Feira da Música (CE) e Porão do Rock (DF).

Conta Paolo: “Foi uma surpresa pra gente. A gente apostou tanto naquilo ali, mas a gente não achava que a imprensa especializada da época fosse abraçar a gente como abraçou. Conseguimos tocar em muitos lugares. Na época, o grande lance era tocar em festivais e isso a gente conseguiu fazer muito bem. E aí a gente ouvia coisas como: ‘O que vocês tão fazendo em Natal? Vocês têm que ir pra São Paulo porque lá é que vocês vão acontecer’. Mas a gente achava que construir uma cena no Nordeste era mais interessante”.

Além de produtores e jornalistas, o público também acolheu bem a banda. Vide o vídeo “extra-oficial” de “Olhos Nervosos”, produzido por alunos do curso de Rádio e TV da UFRN.

A formação original do Bugs duraria até 2006, quando Joab saiu e Augusto Cezar (Thee Automatics) assumiu a bateria. Foi essa formação que gravou o EP Exílio, também lançado via Mudernage no mesmo ano. Pouco depois, o trio virou quarteto com a entrada de Dimetrius Ferreira na segunda guitarra e partiu para desbravar mais festivais, tocando na Virada Cultural (SP), Mundo (PB), DoSol (RN) e o já citado MADA.

O Bugs ainda gravaria mais um EP, o pesado Eli, Lama Sabachthani, com mixagem e masterização de Gustavo Vazquez (do estúdio RockLab, e da banda MQN), antes de encerrar as atividades em 2010.

Vinte anos depois

Comentando sobre o disco hoje, Paolo garante que não tem essa de olhar pro passado com revisionismo. “O disco é o retrato de uma época. Não fico naquelas de ‘se fosse fazer hoje, faria diferente’. É o retrato de Paolo, Denilton e Joab naquele período. Então, nem escuto ele com esse olhar. Tá feito e pronto. Não me arrependo de nada!”, garante.

Dos quatro registros de estúdio do Bugs, só o disco homônimo está no YouTube. Nenhum está disponível nas streamings da vida… por enquanto.

Paolo diz que existe a ideia de disponibilizar a discografia da banda no Spotify & afins, mas ainda não sabe quando nem como. “A ideia existe, mas não sei se vai rolar. Se é que já não está [disponibilizado], porque Vlamir andou fuçando em arquivos antigos, tem ideias de mexer em coisas antigas. Mas eu não gosto de mexer, é o que tá lá em pronto. Mas a ideia existe sim.”

Aguardemos, pois. Por ora, ouça o álbum Bugs no YouTube:

Uma resposta para “Discografia potiguar: Bugs (2003)”.

  1. […] eletri-ficados & outros que foram embora (2004), do grupo Os Poetas Elétricos; Bugs (2003), álbum de estreia do trio de proto-punk psicodélico Bugs; e Os Bonnies (2005), EP dos reis do rock’n roll e rockabilly fuleragem Os Bonnies, estão […]

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