Faixa a faixa: Juvenil Silva comenta o EP Lonjura

Foto: Thais Rodrigues

Juvenil Silva, artista pernambucano, está na ativa há duas décadas. Sempre empunhando a bandeira da cena independente onde ele atua como músico, produtor, curador e o que vier a aparecer e for necessário fazer para se manter com a música. Nessa pegada ele já tocou com gente como Edy Star, Walder Wildner, Flaviola (falecido recentemente) e já produziu eventos em casas como Iraq e Terra Café Bar, e ainda o festival A Noite do Desbunde Elétrico que aconteceu durante 10 anos consecutivos. Faz parte das bandas/projetos Avoada com Marcelo Cavalcante, Marília Parente e Feiticeiro Julião e FREVO 70, ao lado da cantora Monica Feijó e Publius onde tocam clássicos do estilo.

Juvenil começou a carreira com a banda Canivetes, seguiu com a Dunas do Barato (que lançou single esse ano) e em 2013 lançou Desapego, sua estreia solo. O disco foi bem recebido por crítica e público e o artista na sequência lançou Super Qualquer no Meio de Lugar Nenhum. Suspenso foi o último álbum lançado, em 2018. Rock, Folk e Psicodelia é o que move Juvenil desde sempre e não é diferente em Lonjura. Mas duas coisas estão diferentes: primeiro, o formato, já que o novo trabalho é um EP; depois, a pegada/letras.

Capa de Lonjura, novo EP de Juvenil Silva

Em meio a pandemia, Juvenil Silva montou o selo Plurivox com Tonho Nolasco que lançou Lonjura e dará espaço a artistas e bandas novas que gravarão em seu estúdio em construção. Juvenil também organizou a coletânea O Ano Que Não Teve Carnaval – alerta de gatilho (como dizem os jovens) – com músicas da juventude pernambucana, nomes como Isaar, Evandro Negro Bento, Graxa e outros. Outra ideia que Juvenil teve foi lançar discos offline. Ele, assim como tantos artistas e bandas, tinha como método ensaiar, tocar, experimental, até chegar aos discos. Não se pode fazer isso há mais de um ano. A não ser nas famosas lives que muita gente não aguenta mais. Juvenil resolveu empreender de forma diferente (não venham dizer que estamos romantizando pandemia, pelo amor de Jah) gravando discos que não disponibilizava nas plataformas de streaming. São discos offline que até o momento são cinco (o sexto já sendo gestado), totalmente gravados em casa por ele e com intervalo de dois meses entre os discos, disponibilizados de forma individual e comprados no modelo pague quanto quiser direto com o artista através de seu perfil no Instagram. A ideia ajudou, e ajuda, Juvenil a ultrapassar essa fase. Os discos contém além das músicas em arquivos de qualidade melhor, encarte em pdf com cifras e letras e vão com o pedido de não passar adiante para o músico seguir produzindo e sobrevivendo com essa novidade.

Lonjura é um disco que passeia pelo folk e por uma psicodelia mais contida. Resultado de dias que deixaram a cabeça de Juvenil avoada e desfragmentada. Com menos irreverência que os discos anteriores, mas ele não abandonou a capacidade de fazer pensar. Os dias difíceis, a exploração humana, o amor ou a falta dele, está tudo em Lonjura. Um disco feito em parceria com gente que nem se conhecia, mas com bagagem para adicionar suas personalidades, e com distâncias imensas entre eles. Estão no disco Irmão Victor, Mestre Nico, e Marcos Gonzatto (direto de Londres), Seu Pereira, Pierre Leite, Feiticeiro Julião, Gilvandro R, Guilherme Cobelo, Nívea Maria, Diego Gonzaga, Rafael Castro, Tonho Nolasco, João Superego, Ciro Gonçalves.

Todas as participações foram possíveis pelo isolamento, já que o que restou foi compor e gravar. Mas, mais uma vez, não romantize essa desgraça que estamos passando. No papo que batemos com Juvenil pedimos para ele fazer um faixa a faixa do disco, contando as ideias em torno das músicas, as parcerias e você confere abaixo.

Você pode ouvir Lonjura – disco lançado pelo selo Plurivox de Juvenil Silva e Tonho Nolasco – logo após o faixa a faixa.

LONJURA – FAIXA A FAIXA por Juvenil Silva

Dias Impossíveis

Pra abrir o pequeno disco, escolhi “Dias impossíveis”, uma parceria com o paraibano Seu Pereira. Essa foi a primeira de uma enxurrada de canções que foram feitas nessa pandemia. Definitivamente o período que mais criei na vida. Até por ser uma das poucas coisas que me restaram fazer. Compor e gravar em casa. A canção “Dias impossíveis” me veio inicialmente num sonho, acordei com o início da melodia na cabeça. Achei que aquela estética, meio Roberto Carlos, era algo que eu tinha em comum com o amigo paraibano. Mostrei pra ele, que em seguida me sugeriu versos que narram um romance distópico de um mundo pós-apocalíptico. Depois saímos juntos lapidando tudo. Uma parceria muito fluida, natural e boa de fazer. A gravação dessa faixa, assim como as demais, começou comigo fazendo uma guia de voz e violão em cima de um metrônomo, em seguida mandando pra Gilvandro R, que gravou bateria em todas músicas e toca comigo desde sempre. Depois que ele manda de volta a bateria, regravo minha parte e mando pros convidados. Fora a bateria, apenas as guitarras foram feitas por um único músico, Marcos Gonzatto (da antiga banda Faichecleres, de Curitiba) que gravou tudo lá de Londres. Os demais instrumentos das faixas são alternados por várias participações especiais.


Alpinismo

Essa foi a última a ser gravada. “Alpinismo” é a terceira composição de nove parcerias feitas até então com Guilherme Cobelo (DF), vocalista da Joe Silhueta. A pandemia teve esse efeito sobre mim, compor um monte de coisas e em parcerias. Coisa que antes era raro. Em meus discos anteriores as músicas são assinadas 90% por mim. De certa forma a gente que estava sempre em nossas próprias correrias, sem muito tempo pra parar e se aproximar mais das pessoas que conhecemos e gostamos, tivemos esse tempo e oportunidade pra mergulharmos tanto em nós mesmos como em nossos amigos e parceiros de criação. “Alpinismo” veio como uma melodia que Guilherme mostrou e a letra foi feita rapidamente por mim, mas também tem frases dele. A gente sempre mexe na letra ou melodia um do outro. Fala dessa eterna escalada social e das fuleragens dos que estão, ou mesmo acham que estão, acima do povo. Os amigos Diego Gonzaga e Nívea Maria da Verdes & Valterianos participam nessa.

Horários Bagunçados

“Horários Bagunçados” é sobre as mudanças na dinâmica da relação entre os casais durante esses tempos malucos de isolamento e pandemia. Quem participa tocando um teclado bem louco é o amigo Rafael Castro (SP). Nessa, o baixo foi gravado por Tonho Nolasco, jovem músico e produtor recifense que fez a mix, que acompanhei e ajudei a dar forma também.

Regalia

“Regalia” foi a primeira desse trabalho a ser divulgada. Saiu como single e clipe em dezembro de 2020. Tem Mestre Nico (PE) no trombone e Irmão Victor (RS) no sax. Essa composição surgiu no inicio da pandemia, quando eu ainda morava no centro de Recife. Preocupado com a situação com os moradores de rua e com o pessoal da periferia. A melodia traz uma leveza no contraponto da letra tão séria e pesada.

Você Mulher

“Você mulher”, segundo single a ser lançado. Uma canção de amor que fiz pra minha companheira quando a gente havia “dado um tempo”, e assim, longe um do outro, chamei essa canção de “Lonjura”, depois mudei o título. Balada com ares de George Harrison muito bem representado pelo slide que o Marcos Gonzatto executou com maestria.

O Mal de Nós Mesmos

Por fim, encaro e exponho os próprios demônios na dramática “O Mal de Nós Mesmos”. Essa canção foi feita antes da pandemia. É um diálogo entre o bem e o mal que habita em nós. Acho que minhas letras são uma espécie de mosaico na maior parte das vezes. Não abordo um só tema, sempre deixo espaços pra fugir, abordar outros temas e retornar pro inicial ou não. Nessa por exemplo confesso também desilusões minhas na carreira como músico e divago também sobre a distância nas relações, mesmo naquele tempo que a gente saia e se encontrava por aí. Contradizendo até o momento de agora, que mesmo assim, com toda essa distância, tenho conseguido me conectar melhor com algumas pessoas e criar coisas juntos a partir disso. Tenho guardado um monte de frutos disso, Lonjura é apenas um gostinho e primeira dessas novas interações que virão por aí.