China, o vingador do Carnaval

China cai na gaitada, mas não perde o passo. (Divulgação)

China está na ativa desde os anos 90 e como inquieto que é, além de músico e compositor, também é apresentador com passagens por MTV, Band, Multishow e atualmente no Futura com o Caça Joia. Sempre em busca do que há de melhor na música brasileira. E além de artista ele é agricultor. Quem acompanha sua conta no Twitter sabe que o artista mora em um sítio com a família onde cria suas obras em meio a paisagem bucólica.

Para os meros “mortais” o carnaval dura quatro dias. Claro que para quem mora em Olinda/Recife e Salvador a programação dura um mês e às vezes até mais. Quem tem fôlego, saúde e dinheiro pode cair para dentro que dá certo total.

Não sei se a ideia de China com EP Carnaval da Vigança foi de transpor para um disco o que é o carnaval dos “mortais”. Se foi, está de parabéns. O disco acaba e eu clico para recomeçar. Nessa brincadeira ouvi cinco vezes seguidas logo que saiu. Foi uma sensação semelhante a descer do ônibus na entrada de Olinda, olhar aquele mundaréu de gente subindo as ladeiras e sentir os cheiros e sabores. Sucesso, “treix latão por deix”, axé, carne de sol com charque. Acarajé e tapioca no Alto da Sé observando a paisagem.

A capa que mostra um encontro de figuras, pessoas comuns, ricos, pobres e os do meio, tudo junto e misturado, mostra o carnaval de rua. Que fique claro: camarote e festa privada é coisa de quem gosta de segregação.

Se Carnaval da Vingança abre com uma “pegadinha”, o samba reggae “Carnaval Infinito” (que já ganhou clipe com imagens de China em meio ao seu lar) com sua malemolência, as três músicas que se seguem é mesmo que subir uma ladeira correndo depois de dar um pau num tubo de sucesso. “Deixe-se Acreditar”, música eternizada pela também pernambucana Mombojó, ganhou uma versão em Frevo que me fez encher os olhos às 8h30 no meio de um trânsito parado. “Hardcore Brasileiro” parecia impossível melhorar, mas China e seus comparsas de instrumentos conseguiram melhorar. Se a versão original da Sheik Tosado traz um rock com pegada de frevo para sustentar que o hardcore brasileiro é o frevo, a versão atual mostra exatamente isso, com um frevo sinuoso, cheio de camadas, pronto para botar o folião para cansar as pernas. E aí o pulo do gato é o fechamento do EP com “Virando Papangú” que tem participação de Cannibal, da Devotos. Volta para a versão rock-frevo, que China já usou outras vezes na carreira solo, originária de “Hardcore Brasileiro”. Velocidade e peso numa pegada descendo ladeira depois de um pau no já citado tubo de sucesso parando no Fortim da Rua do Sol pra esperar os shows começarem.

Trocamos uma ideia com China que fez um “faixa a faixa” do Carnaval da Vingança que confirmou o escrito lá no começo de que o EP: o disco é pra deixar o folião instigado! Bote o disco pra tocar e leia logo após.

Carnaval da Vingança: Faixa a Faixa, por China

“Carnaval infinito” – “Eu vou fazer um carnaval infinito quando te encontrar”. Esse refrão apareceu em 2017, mas deixei ele de lado por um tempo pois estava no processo do Manual de Sobrevivência Para Dias Mortos. Ano passado, quando a ideia de um EP de carnaval tomou forma, eu lembrei desse refrão e escrevi o resto da musica tentando imaginar um reencontro com o carnaval. Como queria fazer um samba reggae, convidei Michelle Abu para fazer a música comigo. Ela, baiana e excelente instrumentista, trouxe o tempero percussivo que eu imaginava para a faixa. Gravei violão e baixo e convidei outra baiana, Thathi, para tocar o bandolim. Essa canção é também uma homenagem ao carnaval da Bahia e toda a influência que absorvi da música de lá quando apresentei durante anos o carnaval da Band.

Deixe-se Acreditar” – Quando compus essa música com Felipe S. e Marcelo Campello, em 2003, a gente não imaginava que ela seria um dos grandes sucessos do Mombojó, claro. Mas toda vez que ia nos shows e via todo o público cantar aquela música algo me dizia que em dado momento eu deveria fazer uma versão dela. Quando tava escolhendo o repertório do Carnaval da Vingança, “Deixe-se Acreditar” estava tocando aqui na radiola. Não pensei duas vezes: essa música vira um frevo facilmente e ainda periga ser cantada nas ladeiras de Olinda. (risos). Encomendei os arranjos ao maestro Nilsinho Amarante, deixando claro que queria uma introdução longa, e que os arranjos se aproximassem de um frevo de rua, só que Nilsinho avisou que frevos de rua são instrumentais. Retruquei dizendo: “Então, Nilsinho, teremos um frevo de rua com letra dessa vez”. E assim ele construiu os arranjos para a música.

“Hardcore brasileiro” – Sempre imaginei uma versão com orquestra de frevo para essa música que lancei com o Sheik Tosado em 1999. Mas foi a música que deu mais trabalho de fazer nesse EP. Encomendei os arranjos a Nilsinho e pedi que a velocidade da música fosse rápida, como um hardcore. Nilsinho explicou que o frevo tem um andamento entre 150, 160 BPMS e que seria loucura acelerar o frevo a 180 BPMS, como eu queria. Conversa vai, conversa vem e nada de convencer o maestro. A certa altura falei: “Nilsinho, as orquestras que tocam na rua aceleram o frevo que só a porra, aquilo parece um hardcore, bicho, quero essa energia, quero o cheiro de loló e suvaco nessa música”. Ele riu, me disse que os tradicionalistas do frevo iam ficar putos e eu disse: “Nilsinho, relaxa, estamos fazendo história. É o primeiro frevo em 180 BPM e seremos lembrados na história por bem ou por mal”. Ele deu risada e me trouxe de volta o arranjo incrível que ele criou. A história do suvaco e loló deu certo. (risos)

“Virando Papangú” – Aqui eu juntei algo que já fazia desde a época do Sheik Tosado… O frevo e o hardcore. Acho que são duas vertentes musicais que tem tudo a ver e há bastante tempo faço essa colagem. No Manual de Sobrevivência Para Dias Mortos já tem um, “Frevo e Fúria”, e “Virando Papangú” é uma espécie de continuação dessa faixa. Eu já tinha a música pronta quando convidei Cannibal (Devotos) pra cantar comigo, mas na hora de mandar a música pra ele resolvi cortar uma parte da letra que tinha escrito e fiz o convite para Cannibal também escrever a faixa. Gosto muito das composições dele e não podia perder essa oportunidade. E Cannibal, um cara super generoso, além de aceitar o convite pra cantar, veio com uma letra incrível que se encaixou perfeitamente com a parte que eu já tinha escrito. O resultado é esse: uma roda de pogo no meio do carnaval.

Como China já falou tudo, fizemos uma única pergunta.

O Inimigo – Agora, porque não lançar um álbum? O EP acaba e fica uma “frustração” por não ter mais.

China – Pra terminar rapidinho e o cara ter que dar o play de novo. (risos) A intenção sempre foi fazer um EP. Acho que essa intensidade estaria mais condenada num EP do que num disco cheio. E aí tenho a possibilidade de lançar outros volumes nessa época do ano. Todo ano um EP de carnaval, que é algo que sempre quis fazer.

Como diria China: aperte o play, minha jóia, e dance onde você estiver.