Chegamos ao fim de mais um ano. Ainda faltam algumas horas para termos certeza de que tudo deu certo (espero que quando você estiver lendo, tudo esteja bem). Fato é que foi mais um ano ruim, de muita fome, desemprego, muita gente doente psicologicamente, gente maravilhosa que se foi como Elza Soares e Gal Costa. A arte é um meio de tornar os dias mais leves. A música talvez seja o principal. Para mim é. A minha lista está abaixo do que eu pretendia, foi um ano de luta pessoal que deixou pouco tempo para explorar o novo, que é o que mais gosto de fazer. A lista está dentro do padrão de muitas que já saíram e outras que irão sair. Possivelmente a de Pedro Lucas seja a mais abrangente. Sem mais delongas, eis os 15 melhores discos de 2022, sem ordem de preferência.

Russo Passapusso e Antônio Carlos & Jocafi – Alto da Maravilha
Alto da Maravilha é uma celebração. Russo Passapusso nunca escondeu sua admiração por Antônio Carlos e Jocafi. Parceiros que mesmo quando compõem individualmente, é como se fosse da dupla, eles são uma entidade. O disco é a mostra que o novo e o velho andam muito bem de mãos dadas. Curumin, Zé Nigro e Lucas Martins estão na produção e Karina Buhr, Djalma Corrêa e Gilberto Gil em participações. O disco é um passeio pela musicalidade baiana, do Brasil e do mundo.

Ratos de Porão – Necropolítica
Falar da Ratos de Porão é chover no molhado. São 40 anos de discos e shows explosivos sempre em alinhamento com os dias que passamos. Se no passado João Gordo cantou sobre o Plano Cruzado (plano de medidas econômicas lançadas durante o governo de José Sarney), hoje ele canta sobre a era da necropolítica que permeou as entranhas do pior governo da história do Brasil. Com o peso de sempre por trás nas mãos e pés de Boka, Juninho e Jão. Pode reclamar? r$ 1,50 a mais de sujeira cairia bem. O que não tira o brilho do disco.

Satanique Samba Trio – Cursed Brazilian Beats Vol.2
(Spotify / Youtube/ Tidal/ Bandcamp)
Mais um disco do quinteto brasiliense liderado pelo inquieto Munha da 7. Depois de disco com influência de Forró, de show ao vivo no whatsapp e de muitas outras lombras, o Cursed Brazilian Beats Vol.2 é embalado pela fusão do pagode e da música gótica. Sim, isso mesmo. E é apenas o primeiro dessa fusão, apesar de ser o vol.2. Os discos serão lançados em vinis 7″ em parceria com selos gringos. De duração curta (pouco mais de seis minutos) e envolvente, o disco promete fazer você dançar ao mesmo tempo que sonha com uma festinha gótica com direito a uma cuíca maravilhosa.

Bala Desejo – Sim Sim Sim
(Spotify / Youtube/ Tidal/ Bandcamp)
Mutantes, Novos Baianos, Marcos Valle e muito mais. O disco é uma salada sonora com o que de melhor já se produziu na música brasileira. A começar pela introdução com um casal num bar pedindo a saideira já com o dia claro. A voz feminina é de Tereza Cristina, uma das maiores sambistas do Brasil. Pelo decorrer do disco se pode passear pelo carnaval ou pela bossa nova. Entre letras que contemplam o dia a dia e seus desejos, destaque para a derradeira que esmiúça todas as participações do disco. É uma ficha técnica em forma de música. Possivelmente o disco que entrará em todas as listas.

Jair Naves – Ofuscante a Beleza que Eu Vejo
(Spotify / Youtube/ Tidal/ Bandcamp)
Mais um belo disco de Jair Naves. Denso. Pode ser sobre ele ou você, mas é sobre os dias. Assim como o disco do Ratos, sobre os dias atuais. Que falam muito sobre passado e futuro. Não é um disco fácil, é melancólico. Guiado por piano em quase sua totalidade, sentimentos de vingança afloram em alguns momentos. Mas o trunfo é de mesmo em momentos ruins, a esperança vencer. Destaque para “Nasce um saqueador/ Morre um apaziguador” que se completa com “Nasce um apaziguador/ Morre um saqueador”, a belíssima “Vai” e a pesada “Irrompe (É Quase um Milagre que Você Exista).

China – Carnaval da Vingança
“Carnaval da Vingança” abre com um samba reggae, uma surpresa já que China é pernambucano. “Carnaval Infinito” é uma homenagem aos anos que o cantor passou apresentando o carnaval de salvador. Mas da segunda música até a quarta – e derradeira – a pancada é do frevo. O frevo mais acelerado do que de costume. Sim, isso é possível. É a materialização do que China disse lá atrás nos tempos da Sheik Tosado: o hardcore brasileiro é o Frevo. Encerrando o peso de “Virando Papangú” com participação de Cannibal. É ouvir e visualizar a cena linda de 1 milhão de pessoas subindo e descendo as ladeiras de Olinda a base de “treix latão por deix”, sucesso e maconha.

Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz – Moacir de Todos os Santos
Lindo, necessário, uma aula de sopro e percussão. A música brasileira em simbiose com o mundo. Qualquer coisa escrita aqui não vai dimensionar o disco. Ouça.

Rachel Reis – Meu Esquema
A música baiana é forte há muito tempo, por mais que a tal da axé music tenha ofuscado e branqueado muita gente – até dentro do estilo – a verdade é que não dá pra travar uma produção potente ano após ano. Raquel Reis é fruto disso e leva o pagodão baiano a outro patamar com letras e pegada dançante da percussão com a viagem do sintetizador e guitarras que até algumas vezes soam psicodélicas. Pode ser brega, pode ser romântico, pode ser um afoxé. É dar o play e dançar. Destaque para “Pelo”.

Sambas do Absurdo – Sambas do Absurdo, Vol. 2
Sambas do Absurdo é Rodrigo Campos, Juçara Marçal e Gui Amabis. Já podia parar por aqui, porque o trio cria com frequência e sempre com qualidade. O mote é o samba, mas as possibilidades vão além, como a orquestração de várias músicas, se ganha um ar até erudito. A poesia fala de amor, de morte, de luta, tudo de uma forma lírica suave. Como se as agruras da vida fossem necessárias para dias melhores.

Josyara – ÀdeusdarÁ
O terceiro disco de Josyara dá mais espaço ao lado percussivo. Todo pensado pela artista, em meio as batidas baianas tem até um forrozinho gostoso (Essa Cobiça). “LadoAlado” que abre o disco traz reverência á Margareth Menezes. Em meio ao amor e suas nuances, “Canto à Liberdade” encerra o disco como uma oração a dias melhores que virão. Aqui o violão com todo o espaço que merece, e que marcou o álbum anterior, encerra de forma primorosa o disco.

Fernando Catatau – Fernando Catatau
Por mais que pareça estranho na primeira ouvida, o disco solo de Catatau é uma continuação de tudo que ele já vinha fazendo na música. Se o Cidadão Instigado – até onde se sabe – acabou, sua sombra permanece. Afinal, a guitarra, as letras e a voz e Catatau são muito fortes para desvencilhar o trabalho solo dos passados. Se o disco tem uma pegada futurista, como quem olha para Fortaleza num futuro, a temática do amor que permeia o disco é atemporal. E com aquela pegada à lá Odair José em sua melhor fase que segue forte. Catatau seguiu o caminho natural da experimentação a que sempre se propôs. Com um olho no passado e um no futuro. Um disco denso não aconselhado a quem está sofrendo as dores do coração.

Mukeka di Rato – Boiada Suicida
Nada de novo, ou seja: qualidade. Tal qual o álbum da Ratos de Porão, o da Mukeka di Rato traz um relato dos anos que vivemos. Covardia, assassinatos, mentiras, destruição. No peso do conjunto inteiro está o ódio de um pouco mais que metade da nação. A outra metade que se foda. O vocal suingado e limpo de Fepaschoal traz a lembrança de algumas música do clássico Gaiola. O disco passeia por momentos de calmaria e rapidez pesada, como quem dá um tempo pra respirar depois de uma porrada. “Pedrada”, belíssima música de Chico César, se tornou um hino e sua versão pesada ficou sensacional. Fogo nos fascistas.

Criolo – Sobre Viver
Como se sabe, Criolo quase não gravou Nó na Orelha que completou 10 anos. Um discaço, assim como Sobre Viver. O álbum atual é um olhar para o passado. Tudo que o rap deu a ele e o tornou um dos artistas indispensáveis nessa última década. A sua maneira, assim como tantos outros discos, é também um retrato dos dias atuais. Principalmente no que tange a vida da população negra brasileira. Destaque para “Me Corte na Boca do Céu a Morte Não Pede Perdão” com participação de Milton Nascimento e “Quem Planta Amor Aqui Vai Morrer”, autoexplicativa desde o título.

Cafuzo da Baixada – Morra de Inveja, Eu Sou Favela
Cafuzo da Baixada vem na luta há anos, correndo por fora como é quem vem da periferia. As batidas do rap, do funk e do brega funk embalam a realidade da periferia e o mais importante: de Natal. Mostrando que a vida aqui é igualmente difícil como em outras localidades. A luta, o amor, o estilo de vida da periferia imitado pelos playboys, a ostentação. Sim, pode ostentar. Cafuzo reuniu um time para mostrar que Natal tem uma produção como nomes como Walter Nazário, responsável pelos beats, e participações de Dinizk9, Rapentista, Leozinho do BA, Cazasuja e Apenas Um Oliveira.

Nosferatu – Society’s Bastard
Nem só de beleza se vive. Ou: há beleza no que é feio. Feio pra quem, cara pálida? Isso aqui é um amostra belíssima de que ainda se pode fazer um som sujo e rápido de qualidade. A bateria parece um carro de lixo sem freio descendo uma ladeira. Disco retirado do maravilhoso No Deal para representar toda a página que tem a missão de nos presentear com discos underground de diversos estilos, do hardcore/punk até pós-punk gótico. Tem bandas de várias partes do mundo. Vale a conferida nos sons e nas capas que nos levam de volta as décadas passadas das fitinhas K7. A Nosferatu é de Austin, Texas.