Por Hugo Morais

Tiquinha Rodrigues é cantora, compositora, violinista e rabequeira. Conhecida por ser integrante e fundadora da Rosa de Pedra, banda que une uma sonoridade regional com elementos variados resultando em um som dançante. Também é integrante da Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte (OSRN). Tiquinhapasseia bem entre o erudito e o popular, encanta nos palcos e é querida por muita gente. Tudo isso é visto na energia que Tica, sua estreia “solo”, traz. “Solo” porque o disco é colaborativo com Toni Gregório e Kleber Moreira, músicos que ela conhece de longa data, da Rosa de Pedra, e assinam a direção do disco.

São sete músicas que passeiam por temas instrumentais que convidam a dançar, refletir sobre os processos espirituais, homenagem a(s) mãe(s) e até sobre seu próprio processo criativo.

A seguir, confira a ideia que trocamos com Tiquinha e ouça o disco abaixo.

O Inimigo — Pra começar, você tem uma longa história na música do RN. Tinha single lançado, mas um disco ainda não. Como surgiu essa ideia?

Meu projeto solo existe há três anos, quase quatro. Então eu já tinha ideia de lançar um álbum em 2020. Só que era outro projeto e por causa da pandemia todo mundo se isolou, meus parceiros, Toni e Negão (Kleber Moreira), mas a gente começou a fazer as bases para usar nas lives. E partindo das lives a gente viu que já estava meio caminho andado para a gente gravar o álbum. Toni tem um estúdio e vimos a possibilidade de ir gravando. Negão que estava em Fortaleza voltou para Natal e começamos a nos juntar e gravar. Ia ser gravado independente mesmo, foi quando veio a Lei Aldir Blanc, nos inscrevemos e fomos contemplados. Juntamos uma equipe maravilhosa e concretizamos Tica com direção de Toni e Kleber.

O disco passa por sua experiência tanto como a OSRN como com a música mais popular. E tem um contexto até envolvendo a jurema. Qual foi o norte pra fazer o disco?

O norte foi registrar minha trajetória no popular e erudito. O disco tem tema instrumental, a abertura é um ponto de jurema. Minha mãe é dos terreiros, do Candomblé, eu fui criada nesse ambiente, escutando muita música de ponto de jurema, ponto de caboclo, então o terreiro pra mim dentro do Candomblé ou da cultura popular está tudo junto. O sincretismo que vivemos. O disco é uma oferenda a minha mãe, uma homenagem a ela e aos mestres da cultura popular. São momentos da minha história que eu precisava deixar registrado.

Sempre tivemos discos lançados de artistas populares. Mas aparentemente nos últimos anos isso tem crescido. Você tem essa visão também e se sim a que atribui isso?

Acredito que as pessoas estão se permitindo, antes parece que existia um protocolo, um exigência ou caminho, e hoje em dia com a internet todo mundo tem um estúdio em casa, grava… Às vezes a gente fica guardando para gravar de uma forma muito espetacular, ou de um jeito que fica muito no sonho e não realiza. A proposta desse trabalho é tocar quem estiver disposto. E tem muita gente disposta a colaborar. Toni tem um estúdio, Negão está começando. Tem um caminho sendo construindo de acesso. Cada um fazendo o seu como acha que é a sua verdade. Fundamental é ter bons parceiros e acreditar no seu trabalho, essa conexão do que você vai oferecer, ser sua verdade. O disco é uma cria. Você gere para colocar no mundo e espero que seja bem vindo e toque quem quer ser tocado.

Você acha que a procura do público tem aumentado também? Sente essa necessidade de ouvir, consumir essa produção mais popular?

Eu que venho da Orquestra Sinfônica, as pessoas sempre me perguntavam por um trabalho solo. Durante um bom tempo eu não me via em um trabalho solo, porque eu sempre gostei de estar acompanhada. Eu não ando só mesmo, esse trabalho leva meu nome, mas a importância musical dele vem dos meus parceiros Toni e Kleber. Com essa procura eu caminhando para fazer o disco. Claro que isso levou tempo, porque é algo novo. Sempre me senti muito bem no popular e sempre fui bem recebida. A Rosa de Pedra deu uma parada, cada um fez seus trabalhos, e aí fui criando coragem. Chegou a hora de botar para o mundo essa oferenda de apanhados que vem de mim, da minha rabeca, é algo maior, que vem de fora. É uma coisa que para mim é muito sagrada. Fiz um show ano passado no carnaval de Pium e foi uma aceitação maravilhosa, o público entrou na conexão, na energia.

O disco, assim como o de Clara Pinheiro, vem cheio de representação do que vocês são, de ancestralidade. Isso não é uma novidade, claro, mas o atual momento que vivemos de perseguição a povos, culturas, é uma atitude necessária?

Com certeza, é uma coisa pra ser olhada e respeitada. As crenças, a fé, o rito, de onde tudo isso vem, nossas histórias. Independente do sentimento que cada um tenha. No caso de Clara ela já é uma mulher preta, não é o meu caso, então ela tem um outro lugar de fala também. Mas a minha história é de dentro do meu coração, de dentro da minha fé, de dentro da minha casa, onde cresci. Que o meu som possa trazer um sentimento de cura, de de fé, de alegria, do que cada um tem de melhor dentro de si. Importante respeitar o próximo independente das diferenças e estar atento as lutas. Minha parada é mais celebrativa. É um disco de amor, de cura, de transmutação, de conhecimento, minha afirmação como compositora, mulher, e feliz do lugar onde chego.

Deixe um comentário

LEIA TAMBÉM