Retomando as atividades que estavam suspensas desde o início da pandemia da COVID, o Festival MADA iniciou sua programação do ano na sexta-feira passada (6 de maio) com o Baile da aMADA, fazendo do pátio da Pinacoteca do Estado o salão de um verdadeiro bailão black com DJ sets e o show das hypadas Tasha & Tracie (SP). Pisando fofo mas também colocando fogo na pista, com direito a disputa de dança no meio da multidão, a reestreia do festival no novo velho real foi um verdadeiro manifesto a favor das sonoridades, expressões e culturas das ruas (que se reproduzem seja na Zona Norte de São Paulo, na Cidade Alta em Natal ou em qualquer parte).
O rolé em si tem formato de aquecimento e teste, incluindo nomes centrais da música eletrônica ascendente em Natal (inclusão que já rolou no último Mada presencial, com afters que singravam a madrugada capitaneados por nomes que ocupavam os lines da Meladinha, do Lounge da Lama e da Disconexa no período) com DJ’s como Pajux e Dandarona. A assimilação da cena eletrônica natalense no circuito de festivais indica uma aliança com as produções autônomas da cidade que motivam a circulação de novos nomes e tendências nos grandes festivais de música. Atentar para essas expressões e incentivá-las em palcos maiores com grave topado é ponto importante na curadoria de qualquer festival. Este repórter descuidado não chegou a tempo de ver o set do Pajux, mas conhecendo o nome pela noite natalense só pode ter sido de muito LUXO, o mesmo que se pode dizer do set de Dandarona, que alcancei só o finalzinho e não consegui avaliar completamente. A DJ Livea, que comanda as pickups pra Tasha & Tracie, ocupou a pista com um set cheio de rap e funk da ordem do dia, no melhor estilo baile charme, com inserções que iam de FBC e VHOOR a Deekapz. Não vi na hora, mas me noticiaram que durante o set rolou uma batalha de passinho à la baile dos anos 80. Nesse clima de bailão, as gêmeas headliners sequer foram anunciadas e entraram no palco na transição de uma das músicas da DJ Livea, de supetão e mandando uma sequência abrasadora presente em Diretoria, seu disco de estreia lançado em 2021.
Tasha & Tracie em pouco tempo debaixo dos holofotes receberam indicação a Disco do Ano pela APCA (Asssociação Paulista de Críticos de Arte), foram capa de edição especial da revista ELLE, e são atrações confirmadas no Primavera Sound São Paulo. Com seu disco de estreia são uma das maiores revelações do rap nacional, e além do trabalho na música foram notabilizadas na comunicação de moda por seu blog Expen$ive Shit, em que criavam looks de streetwear e moda de favela.
O show das gêmeas é marcado pela sincronia matemática de cada passo e de cada verso, deixando de lado o grito e a raiva e colocando sarcasmo e punchlines no espaço da indignação, quando cantam versos como “sua própria inveja te ofusca / minha xota pisca quando você surta”, ou quando anunciam o “momento mais gangsta do show”, em que avisam que é a hora de “retocar o gloss e arrumar os peitos”. No palco, Tasha acende um beck e Tracie passa o anunciado gloss na boca dela, enquanto a fumaça sobe. Outro momento performático está em ‘Lui Lui’, quando ao cantar “minha buceta é igual piano / ele vem me amaciando”, Tracie mete óculos escuros e imita o gestual clássico de Stevie Wonder, enquanto tocava um AIR PIANO. Quando cantaram ‘Diretoria’, a faixa-título do disco, pediram à produção para baixar as luzes e ao público para levantarem os celulares, em momento típico de show de grandes arenas. Enquanto ecoava um “nós é requisitada seja onde for”, o sample de ‘Princesa’ do MC Marcinho anunciava o fim desse fragmento de hedonismo e irreverência, onde o aspecto teatral do show das gêmeas coaduna com a sinceridade de cada letra, de cada opinião e a franqueza dos versos, que falam em primeira pessoa com voz dobrada.
A noite foi fechada com o set do badalado Danilo Kauan, o DK, que produz uma festa famosa na juventude natalense com muito funk e black music, chamada justamente Baile do DK. Levando uma célula do seu baile pro Baile da aMADA, o DJ mandou seu set cheio de funk e trouxe num momento ao palco os rappers Cafuzo da Baixada e Cazasuja, que cantaram ‘Deixa os Garoto Brincar’, single do Cafuzo que foi lançado recentemente. Aquelas presenças no palco serviram de comentário e questionamento à produção do festival, naquele que é o ponto mais nevrálgico da noite: por que ambos não tiveram lugar no lineup? Do mesmo modo que a criação de público da cena eletrônica dá frutos e invade os grandes palcos, talvez o rap potiguar deva entrar nessa fatura aos poucos.