Reação Adversa lança disco engavetado há 13 anos

A Reação Adversa em 2009: cápsula do tempo do hardcore potiguar (Foto: Rafael Passos / Divulgação)


O intrépido Shilton Roque atua há mais de década no hardcore potiguar sem deixar a peteca cair: monta bandas, produz shows, ajuda na circulação da cena e ainda canta brega ou arrocha em festas de fim de semana na Zona Norte de Natal.

Agora os rumos mudaram rapidamente e Shilton, diretamente da Espanha, retorna com a Reação Adversa, sua antiga banda, que representava o hardcore melódica na Natal de 2007/2009. Antes de acabar, a banda havia deixado um disco quase totalmente gravado e engavetado desde 2009, que agora foi retomado nos últimos anos e finalizado, junto ao trabalho de Madson Augusto e Erildo Vitor, empreendedores dessa revitalização. O resultado, batizado Sofista, está disponível nas principais plataformas de streaming, para surpresa de muitos vegans, sindicalistas, straight edges, marxistas e niilistas que acompanham os rumos do HC nordestino.

Conversamos sobre esse lançamento com o vocalista e ressuscitador desse projeto, o supracitado Shilton Roque.

Capa de Sofista, do Reação Adversa.

Revista O Inimigo: Esse disco foi retomado após um bom tempo das gravações originais, né? Como foi o processo de regravação/gravação dessas faixas?

Shilton Roque: Gravamos ele originalmente em 2009, com Dante Augusto e Henrique Geladeira, naquela época em que estava bem em alta a retomada dos tremendões da Giannini por aqui. Cabou que não terminamos a mix, perdemos as trilhas e a banda se desfez naquele ano. Ficou a sensação que seria um disco bem legal para a época, para o momento que vivíamos no cenário independente e do hardcore, mas ficou por aí. Agora durante a pandemia eu conversei com o Madson, que foi quem tinha composto praticamente tudo, e propus da gente regravar e lançar enfim o disco. Com o isolamento social rolando separei todo material que tínhamos, de pré-mix, de guias, de vídeos e passei pra Erildo Vitor (Berna) que gravou tudo em casa. Com o material pronto foi só seguir o fluxo normal, gravei as vozes no Black Hole, do nosso amigo Flávio Horroroso, que toca comigo na Born to Freedom, e enviamos ao Anderson Kabula, de Sergipe, que já havia mixado alguns materiais laterais nossos para coletâneas, inclusive gravando alguns back vocals. Com isso, mix e master concluídas agora em dezembro de 2022, só aguardamos a virada do ano pra lançar de uma maneira que não ficasse apagado pelo movimento de final de ano e é isso que tá aí no tocador de vocês!

Como é mexer nessas faixas após tanto tempo, após tantas experiências, bandas e processos diferentes?

É um processo realmente difícil, felizmente a gente melhorou um pouco em relação a algumas coisas, afinal 13 anos se passaram e você não pode tá fazendo tudo do mesmo jeito. Acredito que com esse passar dos anos elas ganharam, nesse processo de regravação, uma melhor qualidade tanto na execução, por permitirmos mexer em alguns pequenos elementos e arranjos, quanto no processo final de mixagem e masterização com novos equipamentos, suportes e afins que temos hoje e não tínhamos naquele período. Foi muito difícil não mexer nas letras, tentei respeitar ao máximo, por alguns momentos pensava em mudar, mas ao final decidi no processo das vozes modificar só a execução mesmo, não mexer nem na melodia, nem nas letras, até porque elas representam o que a gente pensava, vivia e fazia naquele período, nossa vida mudou muito de lá pra cá, o mundo também, porém tentamos respeitar o retrato daquele momento.

Reação Adversa no palco do Centro Cultural DoSol, na Ribeira, circa 2009 (Foto: Rafael Passos/Divulgação)

Como o discurso desse disco permanece atual ou significativo pra você e pros caras da banda?

Se por um lado muita coisa mudou, muita coisa ainda permanece, algumas até pioradas. Tem uma frase que já ouvi tanto na boca do cantor Falcão quanto do Zizek, que, é preciso que tudo mude para que tudo continue igual. Então a gente ainda vive um ambiente de muitos problemas políticos que permanecem, como o desemprego, que a gente tanto retratou em “Dark Days” como um retrato da crise de 2008, o partidarismo midiático que, mesmo com o surgimento de redes como Whatsapp, Instagram, TikTtok que não existiam naquela época, ainda constrói e reconstrói nossa forma de pensar e agir e até colaboram com golpes e derrubadas de presidentes. No nível das músicas, a gente tentou fazer esse portal do tempo em “Dark Days”, uma música que tem uns samples de manchetes de jornais de 2009 no início, que modificamos o final para um sample do episódio do “patriota do caminhão”, nesse processo surreal que vivemos no pós-eleição de 2022. Inclusive a música é até um retrato desse surreal se tornando real. Por outro lado, as músicas não são só denúncia nem descrição da realidade, elas guardam algo que a gente ainda vive e compartilha, que é a compreensão de que precisamos fazer algo e não só esperar que tudo aconteça, ou que a realidade está toda determinada e é isso aí. As faixas “Um caminho a seguir” e “Nada além da vida” para nós ainda soam bem atuais, já que por mais que tenhamos conquistado algumas coisas, perdemos tantas outras, e o processo de luta é um processo de vida e que vai além da nossa vida, tanto individual quanto cronologicamente.

Como você vê esse disco no cenário atual do hardcore? É uma relíquia, uma curiosidade no cenário, traz coisas novas pra dialogar com os sons mais contemporâneos?

Eu acho que é mais um retrato antigo de uma cápsula do tempo, com formas de escrever e de pensar de outro momento do cenário, porém com uma execução que musicalmente dialoga com coisas que a gente tem visto hoje em dia no hardcore melódico. E a nível de temas é um pouco como aquilo colocado na pergunta anterior, dialoga com a realidade, que é geralmente o material principal de tudo que compõe o hardcore, não apenas musicalmente falando. Mas na real, no duro mesmo, acho que quem vai poder dizer isso são as pessoas que vão escutar. Hoje o cenário não é mais o mesmo. Em 2009 eu lembro que o Dead Fish tava lançando o Contra Todos, a composição dos grandes festivais era outra, bandas morreram, outras surgiram, algumas estéticas foram importadas, outras sumiram… Sem saudosismos nem presenteísmo, espero que as pessoas que gostam desse tipo de música gostem como se fosse um lançamento de hoje, como o é, mas que compreendam que é um retrato musical, social e criativo de uma realidade de mais de uma década. É isso, desfrutem e me digam o que acharam e obrigado pela oportunidade de tá aqui explicando tudo isso.

Sofista, do Reação Adversa, está disponível no Spotify, Deezer e principais plataformas de streaming.