Pássaros, segundo disco de Gustavo Infante, é um passeio pela liberdade de ser e criar

Gustavo Infante chegou ao seu segundo disco. Pássaros sucede Ser, lançado em 2019, e o EP Transe de 2016. O disco lançado pelo selo Bastet (deusa egípcia da fertilidade) é um passeio entre loops, reverb, delay com seu violão que move tudo. A experimentação mostra suavidade entre os acordes, onde o passeio pode ser por terra, água ou ar, casas dos pássaros, oscila entre momentos de calmaria e tormenta. O uso de palavras que se repetem nas músicas e a sonoridade dos loops traz unidade e linearidade à obra.

Batemos um papo com o cantor e compositor que é mestre em música pela UNICAMP, compõe trilhas para espetáculos e que tem entre parceiros gente como Juçara Marçal, Romulo Fróes, Guilherme Held e Lívia Carolina, que fez a percussão de disco de estreia, o EP Transe. Uma estreia mais visceral, mas que também tem como ponto forte o violão.

O Inimigo – Ouvi o disco coincidentemente após um amigo afirmar em um grupo que nós somos a última geração que vai ouvir MPB (ele tem 10 anos a menos que eu). Já começo querendo saber sua opinião sobre essa provocação.

Gustavo Infante – É difícil essa provocação. Acho que o termo MPB traz consigo vários cenários musicais e várias ideias. Eu não gosto muito do termo pessoalmente, acho escasso em sua abrangência. Seria a música de protesto dos anos 60? Seria a música pós-tropicalista com os trabalhos do Gil, Caetano, Gal, Bethânia, etc? A música popular brasileira não seria a música produzida em todo o país? O termo traz consigo uma complexidade de ideias, na minha opinião, difícil de definir. Itamar Assumpção é MPB? Rap e Hip-hop são considerados MPB? Mas se lidarmos com o termo MPB como uma das “caixinhas” musicais, um gênero que se estabeleceu ali em meados dos anos 60, 70 com os compositores autores (Chico, Caetano, Djavan, João Bosco, Milton, etc) e suas intérpretes (Gal, Bethânia, Elis, Simone, etc) acredito que a afirmação possa estar correta levando em consideração o volume de artistas que serão ouvidos. Acho que realmente vai diminuir.

Porém há um outro lado, claro que não será com a mesma intensidade ouvida pelas novas gerações do que foi pelas gerações passadas e pela nossa. Mas acredito que particularmente os trabalhos dessa “MPB” que trouxeram inovações estéticas vão ser sempre revisitados, não sei se estou sendo um pouco saudosista ao reverso (risos) de imaginar esse cenário no futuro. Digo isso, principalmente, pela busca das novas gerações por encontrar sonoridades, acho incrível isso hoje. Tem uma preocupação com o som em si por meio de softwares, plugins, samplers, etc, uma pesquisa mesmo que me faz ter a opinião que esses discos da tal MPB que são inovadores em suas sonoridades sempre serão ouvidos e procurados por futuros criadores e interessados.

Pois é. Aí que está. Eu considero tudo MPB e não o enlatado tropicália e adjacências. Tua música é muito MPB porque o violão é muito forte. Aí a minha resposta ao meu amigo foi que ele não tá ouvindo direito. Porque tem muita gente boa nova fazendo trabalhos muito bons. O metá metá, Juçara Marçal e Kiko Dinucci por exemplo. Aí nessa questão do violão, teus trabalhos giram em torno dele. O EP e o álbum anterior creio que mais de forma rebuscada. Me soa assim. Já o trabalho novo parece apontar para um caminho, digamos, mais reto. É isso mesmo?

Capa de Pássaros, segundo álbum de Gustavo Infante.

É isso! MPB é tudo que nos cerca! Se tirarmos o termo do enlatado com você disse, ele já expande seus significados e traz produções com bastante frescor! Muito legal que você disse. Acho que o violão é o centro dos três trabalhos sim. No EP ele apontava uma visceralidade, a afinação estava mais grave do que a tradicional, tudo foi tocado com mais agressividade, o canto também refletia isso junto com a percussão da Livia Carolina. Já no SER teve a relação do violão com os samplers (quase todos também criados a partir de violão e voz). No novo trabalho acredito que o violão está mais imagético e mais equilibrado, digamos assim, trazendo momentos de contemplação (soando mais “harpa” – “Canoa Dança”, “Tormenta”, “Pássaro Azul”, “O Ar do Vento”, “Canoa de Dentro”), momentos explosivos (“Pó de Estrela”), momentos rítmicos (“Maré de Caracóis”, “O que Move Maré”, “Passagem”). Talvez o reto que você trouxe eu sinto por conta das repetições (tem isso das músicas serem curtas e o violão repetir – as vezes até em loops como em “Pó de Estrela”) ou também pelos vazios de “Amanhã”, na construção dos loops de “A Vez das Vezes”.

E talvez também pela razão do violão do álbum SER trazer um desenvolvimento maior dentro de uma faixa, ele se transformava mais. Em Pássaros, na maioria das vezes é mais direto, mais constante dentro das composições. E não significa que é ruim, mas vai mais direto ao ponto.

Onde Sérgio Machado (PLIM) influiu na construção da obra?

O Sergio Machado sempre foi uma inspiração pra mim e depois parceiro do selo Bastet. No Pássaros ele fez a mixagem e a masterização do álbum. Mas para além do álbum, ele sempre faz provocações de caminhos estéticos que são valiosos para o processo que é constante, digo do processo como um todo.

O Selo Bastet é um coletivo? Como funciona e o foco do selo?

Bastet é um coletivo e selo, um ambiente de troca e desenvolvimento de artistas. Tem o Sergio Machado (Plim), Lello Bezerra, Everton Santos, Bebé Salvego, Felipe Salvego, Bruno Rocha, Salvegod. Também temos no selo a Orquestra Laboratório Bastet com várias figuras da cena instrumental de São Paulo. Esse ano tivemos novos lançamentos: o Bona e em breve o Castel. O foco do selo é dar suporte para artistas que buscam investigar seus processos de criação e sonoridades.

Além do nome do álbum e títulos de algumas músicas que já são bem sugestivos, a sonoridade pra mim apontou para um caminho de suavidade. Uma coisa de céu e mar. De calma. Qual foi o ponto de partida para a obra? E você pensou em uma unidade para o disco como um todo?

O ponto de partida foi o trabalho com fita cassete. Eu fui gravando algumas ideias de violão que me soavam bem imagéticas, coisas de céu e mar como você disse. Quando comecei a colocar as letras e formatar as canções foi natural que os versos dialogassem com o violão. A unidade foi os elementos da natureza água, terra, ar e pensei nos Pássaros como símbolo de trânsito entre esses elementos, de certa forma o álbum também fala de sonhos, renascimento, morte, transformação, um olhar pra dentro do ser. Acho que cada um tira uma mensagem diferente de cada canção, uma viagem particular. Gosto muito desse caminho dos Pássaros, cada um com seu voo dentro de si.

Esse voo pretende chegar presencialmente ao Brasil todo? Como estão os planos de apresentação?

Minha vontade era de tocar no Brasil inteiro levando violão, tascam e fita cassete (risos). Mas infelizmente ainda não tem nada certo de rolar. No mês passado eu fiz uma apresentação no festival MIA – Mostra Integrada de Artes em Poços de Caldas/MG. Não teve público, porém já foi emocionante poder tocar no meio da natureza. No repertório teve algumas canções então inéditas do Pássaros e outras do SER, mas com a sonoridade do novo trabalho. Músicas que não se encontram em lugar nenhum, as músicas que fiz só com tape instrumental. E também teremos novidades em outubro com clipe filmado em película super 8mm e uma prensagem em fita cassete.

Fala mais sobre essas músicas. Quando foram feitas e seguem a linha do Pássaros?

Essas músicas tem um caminho mais de experimentação e busca de novos formatos, são tape loops, pequenos recortes de fita magnética onde gravo timbres acústicos e eletrônicos e processo eles com pedais de efeito em tempo real. Gosto muito do resultado como texturas, ambientações e paisagens sonoras. Desenvolvo muito esse lado no meu trabalho da composição para a dança contemporânea da artista Letícia Rodrigues, onde faço a trilha toda ao vivo com o formato tape loops, pedais e voz, como o do espetáculo Nada.

Gustavo, pra terminar, o que você anda lendo, vendo e ouvindo que possa indicar pra juventude que não ouve MPB (risos)?

(risos) Muito bom! Ando ouvindo o primeiro álbum da Bebé Salvego intitulado Bebé (2021) e o EP da Orquestra Laboratório Bastet (2021). Estou lendo Um defeito de cor (2006) da Ana Maria Gonçalves – até agora um dos melhores romances que já li, e nem cheguei no final. Vi nessa semana O cinema Falado (1986) do Caetano Veloso e achei muito interessante! Recomendo todos!

Abaixo ouça Pássaros, novo disco de Gustavo Infante.