Micha é artista, produtor, músico e compositor. Integra a banda Nã, que tem dois discos lançados, mas deu uma desacelerada. A inquietude de Michel de Moura, aka Micha, o levou a se lançar solo. Michel ensaiava com uma banda mais enxuta – Luisão, Nalesso e Babalu – que a Nã e como a produção já estava bem redonda, resolveu seguir em frente mesmo com a pandemia. A sonoridade solo de Michel passa pela Nã no que tange não ter amarras na hora de criar. O que estiver em mente é posto em prática. Batemos um papo com ele que lança o segundo single do álbum Reparo. “No Fundo dos Seus Olhos” foi a escolhida para ser o segundo single e através da saudade e desejo fala sobre um cenário politico que poderia ser diferente.
O inimigo – No release você fala que é do time Cláudio Assis, mas a música é feita para Bacurau 2. (risos)
Micha – É meu som favorito, vou marcar o Kleber Mendonça nas postagens, dizer que fiz esse som pro Bacurau 2. Nem sei se você gosta do Kleber Mendonça, eu sou time Cláudio Assis na verdade, estou mais pra provocar mesmo.
Eu vi o “influência do Claudio Assis” no release e lembrei dos filmes dele e que há um tempo ele biritado, acho que numa cerimônia, passou dos limites e deu ruim. Acho diretores bem distintos. O Cláudio uma coisa mais crua, a rua mesmo. O Kleber mais a arte representando a rua digamos assim. Como se Claudio fosse um documentário.
Interessante, bem isso mesmo… Sim, sempre me contam essa fita, mas nunca entendi direito. Pois é, a perspectiva dele é rua mesmo, contradição escancarada né, Kleber quer ser “holliudi”.

O interessante de “No Fundo dos Seus Olhos” é a mistura, que é bem o disco todo. Um passeio por muitas influências. Violão e bandolim…
O bandolim é do Renato Ribeiro, você conhece ele né? O Renato gravou no primeiro take, saiu tocando por cima, quando terminou a gente ouviu e quando falaram “vamos gravar” a gente ficou com aquele take mesmo. Na mixagem o Fernando (Sanches) trouxe bem pra frente, deixou flutuando.
Ficou bem bonito. Bem a cara do Brasil essa junção viola e bandolim, uma coisa de Chorinho e música do interior, caipira. Aí tem uma virada que puxa pra um pop. A música acho uma síntese do disco por causa da mistura. E tem o teor da letra, do amor ou da vivência, das lembranças.
Bem isso. Mas o lance é que é uma letra política na real. A vontade de nascer de novo é um sintoma generalizado no Brasil do Bolsonaro. Querer uma lembrança boa é não reconhecer o status atual do pais.
O lado bom da interpretação que cada um tem das letras. (risos) Eu já estou tão puto com tudo isso que vi uma declaração a alguém querido. Minha filha fez 18 e eu só quero que ela tenha dias melhores. Tô levando os dias como apenas uma sequência de tentativas de sobreviver já que não parei durante a pandemia.
Sim, te entendo. É uma declaração também, claro. Como digo lá no texto, trabalho com a ambiguidade das coisas.
Vi esses dias o doc sobre Itamar Assumpção e a construção das músicas lembra o jeito dele, teatral, de declamar e etc. Como a figura dele é referência nesse trabalho e nos demais do disco?
Sim, Itamar é uma figura central pra muita gente da minha geração, acho que principalmente aqui em São Paulo, no estado todo, porque inclusive ele era do interior né. Eu reverencio ele. Toda vez que faço uma música fico imaginando se ficaria boa com ele cantando e tocando. Ele é o artista que melhor fez essa mediação entre tradição e vanguarda. Você sente exatamente sua raiz na música preta, mas estranha porque ele sempre se pautou por inovar o formato. Fez mil bandas, nunca se acomodou, cada disco de um jeito, sempre com muita liberdade, sempre fugindo de ser capturado pela ingenuidade.
Pra finalizar, Michel, a música tem muita gente participando. Como foi o processo de criação dela, tendo ainda o agravante da pandemia?
Desde o começo de 2019 que a gente vinha ensaiando. Eu, Luisão no baixo, Marcos Nalesso nas cordas e Babalu na bateria. Em 2020 a gente já estava com o disco encaminhado. Essa música em questão a gente gravou em janeiro de 2020 porque o Fernando Sanches deu um curso de gravação de 3 ou 4 dias. No antigo El Rocha. E ele queria uma banda para gravar no curso que fosse do Babalu porque ele sabe gravar bem a bateria. E o Fernando sugeriu que fosse a Nã, mas na época a banda estava um pouco desmobilizada. O Babalu sugeriu meu disco porque já estava bem adiantado. Então gravamos das musicas, essa do single e “Vento Verbo”. Durante a pandemia colocamos os arranjos e por causa da pandemia o processo foi mais alargado porque o Fernando não estava com tanta gente para gravar. Então para não aglomerar nas gravações usamos esse tempo maior. A intenção era gravar e lançar em 2020. Então o que deveria durar 4 ou 5 dias durou duas semanas sem usar dias inteiros no estúdio.
Ouça abaixo “No Fundo dos Seus Olhos” via Spotify.