Daquele Instante em Diante: Itamar Assumpção como artista independente e ídolo da música brasileira

Muitos dos ídolos nacionais são ídolos de nichos, heróis fadados ao desconhecimento das grandes massas. Quando se fala da música então, a coisa fica mais séria ainda. Na verdade a arte como um todo exige concessões de quem quer fama, no que se entende por ser conhecido e enriquecer. E muitos desses ídolos não querem a concessão, porque a obra está acima de tudo. Há então de se viver com o preço a pagar. Por preço entenda-se o valor monetário mesmo.

Itamar Assumpção é um desses artistas que dá força a palavra artista. Itamar não era músico ou compositor, era artista. Isso fica claro já no começo de Daquele Instante em Diante, lançado em 2011. O documentário que conta a história de Itamar faz parte da série Iconoclássicos, que traz filmes sobre artistas brasileiros contemporâneos. São cinco documentários, cada um dedicado a um ícone. Além de Itamar Assumpção, figuram na série o artista plástico Nelson Leirner, o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, o cineasta Rogério Sganzerla e uma adaptação do livro Catatau, do poeta Paulo Leminski.

Itamar desde o começo sabia o que queria e era intransigente quanto ao teor de suas obras. Seu controle era extremo e a forma de explorar a música junto com a teatralidade e performance se encaixaram ao que foi chamado de Vanguarda Paulista. No doc estão parceiros importantes como Paulo Leminski, Alice Ruiz, Arrigo Barnabé e Naná Vasconcelos. Integrantes da banda Isca de Polícia (o nome da banda era uma referência direta a eles que eram negros e constantemente abordados pela polícia) que o acompanhou em discos clássicos como Beleléu, Leléu, Eu (1980), As Próprias Custas S.A. (1983) e Sampa Midnight (1986) e as mulheres da banda Orquídeas do Brasil (parceiras na série Bicho de Sete Cabeças). Itamar sempre teve mulheres nas bandas, principalmente nos backing vocals com um trio, mas em dado momento da carreira formou uma banda totalmente feminina. Também estão a esposa Elizena Brigo de Assumpção e as filhas Serena e Anelis Assumpção.

Apesar do rótulo de maldito – que fechava portas – muito às custas de não fazer concessões como dito anteriormente, tocou muito em espetáculos bem produzidos até shows no formato voz e violão. Chegou até a Europa onde, no documentário, a Alemanha ganha elogios de Itamar quanto ao tratamento dispensado a ele. Fato é que olhando as músicas de Itamar, suas letras críticas, não seria possível o surgimento dele lá. Itamar, e tantos outros, é fruto da desigualdade que é o Brasil. Do que isso leva a ser transferido à arte. Itamar passeava entre Bob Marley e João Gilberto, Hendrix e Ataulfo Alves, a quem ele dedicou um disco elogiado, tudo em torno do baixo que era sua paixão e linha condutória de toda sua obra. Tudo isso e sua relação muitas vezes de conflito com os músicos que o acompanhavam foi bem explorado pelo diretor Rogério Velloso. Ao longo de quase duas horas todos fazem questão de dizer que os conflitos se tratavam da obra, fora disso Itamar era uma pessoa doce, apaixonado pela música e por plantas. Especialmente orquídeas.

Itamar partiu aos 53 anos em 2003 por causa de um câncer de intestino e até o fim da vida seguiu produzindo. Isso é reflexo do disco Isso Vai Dar Repercussão, feito já no fim do tratamento da doença, com Nana Vasconcelos, e lançado após a sua morte.

Para quem não conhece Itamar Assumpção o doc disponibilizado abaixo na íntegra é completo, belíssimo e emocionante. Além de mostrar as dificuldades de quem se mantém independente, mostra também o que constrói uma obra sólida como o racismo diário brasileiro. E mostra também uma bela coleção de óculos escuros.