Por Diego Albuquerque / Hominis Canidae
Fotos: Natália Di Lorenzo / Divulgação
Zepelim e o Sopro Do Cão é uma banda de Campina Grande, interior da Paraíba, cidade do Maior São João do Mundo. Formada em 2006 nos confins da Boninas, um antigo pico maconheristico no Centro de Campina, onde a galera “torava uns zepelins” (daí o nome) 18 anos atrás. Entre idas e vindas, a ZSC tem 3 momentos de atividades, o período de fundação que foi de 2006 a 2009, outro de 2012 a 2014 e agora que vem de 2019 até os dias de hoje.
Na época que a banda surgiu, existia aquela efervescência de se misturar rock e hardcore com ritmos regionais, e com a ZSC não foi diferente. Mas com a nova formação, o som aparece mais contemporâneo neste que é o primeiro álbum do grupo. Atualmente a Zepelim e o Sopro do Cão é formada por Babu (vocais), Dede Guima (guitarra), Igor Punk (guitarra), e Igor Carvalho (baixo). Billy Costa, que foi o produtor do álbum, vem cumprindo provisoriamente o papel de baterista.
“Caranguejo de Açude”, o tão esperado primeiro álbum da banda, foi gravado após aprovação na Aldir Blanc e mistura todos os momentos históricos da ZSC, fincando a banda no rock e no hardcore. Com 8 faixas, o álbum permeia estilos que vão do hardcore e punk, ska e rap que se unem ao sotaque paraibano, às vivências no interior do Nordeste e garantem uma unidade sonora original à ZSC.
Lançado no começo de 2024, o trabalho já conta com mais de 30 mil plays nas plataformas de streaming e vem recolocando Campina Grande no mapa da cena alternativa e despontando como uma possibilidade de renovação no autoral paraibano. Resolvi bater um papo com Babu, para entender melhor o trabalho e esse momento da Zepelim.
Leia ouvindo o álbum aqui.
Como vocês descreveriam o som da banda e quais são suas principais influências musicais?
Vei, como a banda é de 2006, a ZSC surgiu muito influenciada por uma série de bandas que misturavam rock com temáticas e ritmos regionais. A banda tem 3 períodos de atuação, de 2006 à 2009, de 2012 a 2014 e de 2019 até os dias de hoje. Em 2019, quando eu entrei na banda, foi que a gente pouco a pouco foi seguindo um outro caminho, eliminando as percussões e referências rítmicas nordestinas mais explícitas. A ideia era tornar a banda mais voltada para o HC mesmo.
Mas a gente continua sendo nordestino, né? (risos) Então nosso sotaque tá bem na cara de quem ouvir nosso som. E uma de nossas maiores influências continuou sendo o nosso entorno, o meio que a gente vive. Se a gente vive no interior da Paraíba, nossa música naturalmente vai acabar relatando vivências nossas aqui. Mas isso não engessa também nosso som não. A gente tem uma série de influências globais que se agregam a nossa linguagem, ao nosso sotaque e deu no que deu.
O punk (guitarra), por exemplo, traz uma influência forte do ska e de bandas de HC como Bad Brains, Nofx… Dede (guitarra) já curte umas doidera mais stoner, como Kyuss e Queens of the Stone Age. O Frango (baixo) é aficionado pelo baixo de Champignon. E eu comecei na música fazendo rap e trago bastante influência vocal desse meio. Então na soma disso tudo a gente tem o som da ZSC. E na concepção do disco contamos com Billy Costa na produção, sendo essencial para a formalização do que vem a ser o nosso som.
Quais são os maiores desafios de ser uma banda de rock do interior em comparação com as grandes cidades?
Um dos maiores desafios é estar situado em uma cidade onde a produção de cultura é deficitária e voltada quase exclusivamente para nichos como o Forró. Em um mundo onde o Rock virou sinônimo de bares de cover, a Zepelim tenta angariar uma comunidade em torno dela, a partir de muitos de seus shows gratuitos e com divulgação bem humorada, tentando uma assimilação do público com seus temas, letras e sons. O espaço para a cultura já é escasso, e para o rock autoral mais ainda, mas seguimos no enfrentamento dessas barreiras.
Estar fora do fluxo cultural também é um desafio. Que aí tudo depende de irmos em busca desse fluxo, seja enquanto banda ou público. Se aqui no interior não tem movimentação, o público atrofia, as bandas acabam, fica cada vez mais difícil sustentar uma cena. Então acredito que nas grandes cidades o fluxo contribui demais para a movimentação de bandas, festivais, bares e casas de shows voltadas pro alternativo. Dentro do nosso contexto de cidade a gente vem construindo um público bem legal em Campina Grande e encontrando formas de dialogar com essa galera. No fim das contas creio que nosso papel enquanto artista é saber contornar essas mazelas aí, a gente sempre tenta vir com um diferencial e vem dando certo. Vem pra Campina Grande ver um show da ZSC que o pau canta.

Como a cultura e as tradições da região e cidade influenciam (positiva ou negativamente) na música e suas letras?
A gente é da cidade do Maior São João do Mundo, e agora também do carnaval gospel, né? (risos) Mas assim, nossa tradição junina é muito forte, então a gente desde guri é acostumado demais a ouvir forró o ano inteiro e passar os 30 dias do mês de junho com todas as atenções voltadas ao Parque do Povo, que é onde acontece a festa. Eu particularmente curto muito o mês de junho, se pá é a época mais massa do ano, tá na nossa raiz demais. O lado negativo é a forma engessada de se produzir tudo por aqui, assim tanto o São João quanto a produção cultural durante todo o ano se resume ao nicho do forró.
O São João daqui poderia ser uma ótima oportunidade de artistas locais estarem em vitrine num momento de grande fluxo turístico. Então as bandas locais, sejam elas alternativas ou de forró, deveriam ser valorizadas. Mas até os trios de forró e as tradições são totalmente desvalorizados em prol do “gustavolimismo” do evento. Não existe um polo alternativo, uma possibilidade paralela que desafogue o público de estar imerso na arena comercial que se tornou o Parque do Povo. Então o São João da nossa terra é uma tradição grande mas que até o momento vem fechando portas pra pluralidade cultural.
E essas ações não se resumem apenas ao São João, essa lógica de produção da cultura se estabelece também para a produção da nossa cidade. Então nossos patrimônios vão ser derrubados, nossas vivências cotidianas vão ser condenadas e o nosso modo de vida vai se baseando em importar tudo de fora e escrachar o que é feito aqui. Em contrapartida temos a possibilidade de exaltar o imaginário do nosso povo e utilizar nossos símbolos populares como forma de enfrentamento a essas imposições que a cidade nos coloca. O lado positivo disso tudo é poder documentar, usar como mote, fazer o Açude Velho ser a Praia de Campina, o Parque do Povo ser o Parque do Pogo… então no fim tudo se aproveita nesta porra.
Existe um conceito no primeiro álbum da banda? Ou uma linha sonora a ser seguida (nas letras e composições dos sons)?
Desde 2019 a gente já vinha fazendo shows com pelo menos umas 12 músicas autorais. Boa parte desse set era formado por músicas compostas nos períodos anteriores da banda. Então em 2020 a gente decidiu que ia produzir um disco, a gente focou que o ideal seriam 8 faixas e que pelo menos metade fosse de músicas do presente da banda. Então pegamos Praia de Campina, Cortinas de Fumaça e Pensando no Infinitivo lá do início da banda, Blues da Realidade que era um som feito pelo punk nas antiga mas que nunca tinha sido utilizada, Sativa, que também era antiga, mas que foi totalmente refeita e se tornou uma nova música, e Corona Haze, Domínio e Terreiro de Angola, que são músicas compostas por mim nessa formação.
Com essas 8 faixas em mãos a gente tentou amarrar um conceito pro disco ter uma unidade. São sons com muita diversidade sonora, então o que a gente viu em comum foi o fato de esse disco representar um momento muito “a gente na nossa cidade”. Passamos uns 3 anos produzindo eventos e tocando pra uma galera que foi se aproximando cada vez mais da banda. Então Caranguejo de Açude tem um amarramento conceitual nesse relato do interior, das nossa vivências, e também nesse provocativo em utilizar o nome do caranguejo, que naturalmente vive nos mangues e nos rios que desembocam nos mares, como tendo sua origem no Açude Velho de Campina Grande. A gente sempre visualizou o nome escolhido pro disco como algo que remetesse a esse comparativo entre o interior e a capital, o dentro e o fora. É uma tentativa de diálogo com quem se sente tocado pelo título, pela capa, pelo som e pela forma de comunicação que a gente adotou pra banda.
Nessa de conceito, tem uma história massa sobre o disco. Pra divulgação do álbum a gente bolou uma reportagem falsa em que entrevistamos algumas pessoas que relatavam vivências de uma suposta época em que se tinha caranguejos no Açude Velho. Os vídeos viralizaram e se criou uma fanfic acerca da existência do caranguejo no açude haha! Muita gente acredita nessa história até hoje, mesmo a gente já tendo esclarecido algumas vezes. E aí teve um doidão do curso de biologia que chegou na de Dede dizendo que tava pra fazer o TCC sobre os caranguejos de açude. Pediu até o contato do falso vendedor de caranguejo que a gente usou no vídeo. Quando Dede revelou a farsa foi uma decepção haha.
Vocês têm alguma história interessante ou engraçada sobre suas experiências tocando em eventos no interior?
Mermão, tem uma história massa, mas nem foi no interior, foi na capital mesmo, em João Pessoa. Em 2008 a ZSC foi convidada pra tocar na primeira marcha da maconha da Paraíba. De cara, o movimento foi logo censurado e teve que ser chamado de Marcha da Democracia. A banda saiu de ônibus para João Pessoa, chegando no Busto de Tamandaré, devido à repressão policial, a galera que disse que ia não foi, nenhuma outra banda que tinha confirmado chegou a ir, só foi a ZSC mesmo. No fim das contas tinha mais polícia que manifestante e o clima tava tenso. Daí a banda subiu num trio pequeno que ia sair pela orla. A banda passou o som, quando o trio ia sair, a polícia mandou a banda descer. A galera da organização do evento foi de contra e tentou impedir a ação dos policiais, mas na primeira música, quando a galera tava começando uma ciranda, a polícia puxou os cabo da mesa de som e desligou tudo, chegou até a danificar o equipamento, ficou uma chiadeira grande. Enquanto isso lá em baixo ficou rolando o tumulto, a cavalaria chegou, altas galera apanhou, teve bala de borracha e os carai. Num dado momento um cara acertou uma lata cheia de terra na cara de um policial que acabou caindo do cavalo. Aí foi que a repressão aumentou. Oficialmente somos a primeira banda a tocar numa marcha da maconha, mesmo tendo sido mudado o nome, e mesmo sem ter tocado uma música completa (risos).

Como é o processo de composição das músicas na banda? Vocês costumam escrever juntos ou individualmente?
Os caras já tinham um show completo só de autorais, que foram compostas em sua maioria pelo Punk e pelo Frango. Então todo mundo da banda já escreveu algo em algum momento. Quando eu entrei na banda em 2019, assumi essa parte de escrita, letra, e de criação de conceito. Por eu vir do rap, acho que obrigatoriamente tive uma formação de escrita mais impulsiva e portanto mais fluida, mais fácil. Daí os caras me deram liberdade pra fazer uma curadoria das letras pra gente fechar um set mais direcionado ao que a gente pretendia pra banda. Que é algo mais HC mesmo.
Alguns sons ficaram de fora, outros já estavam totalmente definidos, e alguns a gente passou a borracha total e refez tudo. Foi o caso de Sativa, é um som antigo da banda que eu inicialmente refiz as estrofes e mantivemos o refrão original, fizemos vários shows com esse refrão. Só que lá no dia da gravação, esse refrão não batia de jeito nenhum, daí criei algumas outras opções e optei pela que tá no disco. Acabou que deu certo. Essa foi apenas uma forma de processo de escrita que já tivemos, e que aconteceu devido a essa herança que a ZSC de hoje tem da ZSC de quase 20 anos atrás.
Porém, eu curto mais escrever sozinho e chegar pra galera já com uma proposta pronta, para se ter mais lógica no entendimento coletivo da parada. Às vezes a gente cria o mote junto em estúdio, cada um desenvolve algo a partir do seu instrumento e no próximo ensaio a gente já faz evoluir a composição de arranjo e de letra. Um dia desses criei um refrão no ensaio em cima de uma melodia que o punk tava tocando. Acabou que levei pra casa, escrevi o restante, os caras lapidaram ideias em casa também e deu numa das músicas mais legais que a gente já fez, inclusive tamo doido pra gravar haha.
Mas é isso, não tem fórmula não, tamo aberto aos acasos e ao que faz exercitar a perspicácia de tá criando. A real é que a gente gosta demais de tá criando e isso demanda enxergar poesias, melodias e possibilidades sonoras o dia todo.
Quais são seus planos para alcançar um público mais amplo?
A gente pretende tocar, fazer o som chegar mais na galera, tentar ocupar espaços e lapidar o potencial que nos fez organicamente cativar pessoas. A gente faz um som bem diversificado, pesado, mas com melodias e arranjos que tornam o som mais acessível e de fácil assimilação. Aí dá pra ampliar o leque e tentar chegar num público também diverso. A gente também curte trabalhar com criações que possam fortalecer nossa marca e estreitar a relação da banda com o público, esse lance de pertencimento e tal. Cores, flyers, vídeos, animações, camisetas, texto e identidade que nos façam ter uma boa presença nas redes sociais e nos agregue mais público. Tamo com disco novo, curtimos muito todo o processo de gravação, foi longo, cansativo, mas prazeroso e de muito aprendizado. Então a gente tá bem feliz com o resultado e doido pra tocar ele pra quem ouviu e pra quem ainda vai ouvir. Também tamo pra soltar uns vídeos de ao vivo nossos pra galera sacar melhor como é a vibe do nosso show. E a ideia é alcançar um novo público também através das tocadas em outras cidades, fazer intercâmbio com bandas, produtores… tamo aberto à doidera.

Como vocês veem o cenário da música independente no Nordeste hoje em dia? Quais são os pontos fortes e os desafios?
É uma região grande, os cenários acabam variando de estado pra estado, da capital pro interior. Mas apesar de algumas diferenças culturais, os estados possuem uma formação histórica similar, uma sensação de pertencimento coletiva que dá unidade ao todo. Então, entre proximidades e longas distâncias, a região acaba tendo uma boa possibilidade de articulação. Apesar de Campina Grande não figurar entre as cidades de grande fluxo cultural, a gente tá bem localizado nesse eixo entre Natal, João Pessoa, Recife e até o Ceará pelo sertão. Pra dar rolê facilita, o desafio é formar plateia, fazer com que o som chegue, permaneça e que o rolê seja de alguma forma sustentável. E atualmente no Nordeste a gente tem a presença de grandes festivais, é torcer para que possam fortalecer cada vez mais projetos e bandas da região.
Vocês têm algum ritual ou tradição antes de subir ao palco para uma apresentação ou gravar um som?
Rapaz, aprecio bastante o ritual do descanso antes de um show haha. A gente faz um show bem enérgico, então demanda descanso e tal. Mas geralmente a gente tá produzindo, montando estrutura, indo atrás de resolver pepino, então raramente dá pra descansar. Mas o ideal pra gente é descansar mesmo, dar uma bola (eu menos por conta da garganta pra cantar), mas estar com a mente limpa pra poder focar na apresentação ou na gravação pra entregar uma performance bem aproveitável.
Como vocês se relacionam com o anacronismo? (Eu acho que vocês são jovens e o som que fazem é de outro tempo, então é nesse sentido).
Entre períodos de atividade e inatividade, a banda já tem 18 anos de fundação. Então tipo, o som tá sendo lançado agora, mas a nossa estética sonora ainda é de uma banda que teve influências no que era feito nos anos 90, e que respingou nos anos 2000. Músicas como “Praia de Campina”, “Pensando no Infinitivo” e “Cortinas de Fumaça” foram compostas no comecinho da banda, lá em 2006. Então, a banda de alguma forma tem um nexo temporal, é que ela só veio aparecer de verdade agora com a concretização desse disco, então pode parecer que a ZSC é uma banda recente.
Na real às vezes a gente até encara o agora como o começo de tudo, pela energia que a gente vem dedicando pro agora, mas a construção disso veio muito lá de trás. Quando assumi os vocais da banda, veio também uma carga de responsabilidade bem doidera com o público antigo, uma herança mesmo. A banda já contava com um grande carinho na cidade e habitava o imaginário dos doidão. A galera passou a me demonstrar uma gratidão e consideração por levar o legado da ZSC adiante junto com os remanescentes da fundação, que são o Punk (guitarra) e o Frango (baixo).
Eu tenho 30 anos, tinha 12 anos quando a banda foi fundada, uma diferença de idade que não me esquivou da forte influência do que era feito naquela época, o que me levou a uma adaptação rápida ao contexto da banda. Dede é ainda mais novo, então rola uma relação de gerações dentro da banda. O Punk e o Frango lidam com a “novidade” que se tornou eu e Dede, enquanto a gente lida com um passado de grande importância pra o que a banda é hoje. Esse público que acompanha a banda desde 2006, hoje soma-se com um público bem jovem que conheceu a banda nessa retomada, então a plateia dos shows aqui em Campina é bem diversa. O estilo do som também nos agregou um público mais antigo que ainda não nos conhecia.
Apesar de algumas mudanças e adaptações na sonoridade, comparando com o que a ZSC fazia no passado, a base do som sempre foi essa, as influências que fizeram a banda ser fundada ainda permanecem. Então pra gente é natural fazer um som que no fim das contas parece nostálgico, de outro tempo, porque a banda tem sua formação no contexto de outro tempo. Foi como citamos em nossas redes sociais no que a gente denominou de manifesto ao disco Caranguejo de Açude: É um disco que reflete o passado, o presente e o futuro da Zepelim e o Sopro do Cão. É a continuidade do plano de voo de um Zepelim que buscou se remodelar para novamente sobrevoar o Planalto da Borborema em busca de novos ares.
Ouça Caranguejo de Açude no YouTube:






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