A notícia correu ainda na sexta-feira de carnaval: Damo Suzuki, o icônico vocalista da melhor fase do Can, partiu aos 74 anos.
Nessa semana que correu de lá até aqui, muita gente escreveu sobre Suzuki, sua importância, sua trajetória peculiar. É fato repetido e repisado que ele foi recrutado para o Can quando os integrantes da banda o avistaram cantando na rua, e que Suzuki fez seu primeiro show como vocalista do grupo na noite daquele mesmo dia. Qualquer um que tenha ouvido Soundtracks, Tago Mago, Ege Bamyasi ou Future Days conhece a poética vocal e lírica de Suzuki, em que vocalises e letras em fluxo de consciência se harmonizam em um som único, que não parece ser cantado em idioma algum.
A influência desse quarteto de álbuns, aliás, é tão vasta quanto inestimável. Do Radiohead aos brasileiros da Oruã, todos que ouviram esses discos saíram mudados de alguma forma. Stephen Malkmus, outro famoso fã de carteirinha, chegou a regravar o Ege Bamyasi na íntegra ao vivo, num tributo tão fuleiro quanto divertido.
Mas embora o som do Can ainda hoje cause estranheza, dá pra dizer que a fase na banda foi o período mais convencional da carreira de Suzuki. Depois de sair do grupo, o vocalista se converteu às Testemunhas de Jeová e ficou dez anos longe da música. Quando voltou à ativa, no início dos anos 80, botou o pé na estrada e criou a Damo Suzuki’s Network, nome guarda-chuva para a imensa rede de músicos locais que o vocalista encontrava em suas viagens, e com quem fazia shows de música improvisada, às vezes em locais inusitados como estações de trem e praças públicas. Ocasionalmente, o grupo de músicos recrutado incluía formações como as bandas Pond e black midi. “Hits” e releituras da sua época de Can não costumavam aparecer no repertório.
Nessas viagens, Suzuki veio ao Brasil mais de uma vez. Em 2005, tocou em São Paulo ao lado de uma big band com a nata da cena experimental da cidade, que incluía Maurício Takara (Hurtmold), Sergio Ugeda (Diagonal, Debate) e Miguel Barella (Voluntários da Pátria, Agentss). Alexandre Matias conta mais sobre essa passagem aqui, mas os vídeos da apresentação da banda no Sesc Pompeia que ele menciona aparentemente se perderam no sumidouro da internet. Quatro anos depois, o homem veio aos trópicos outra vez e fez um show histórico em Florianópolis que deixou saudades e boas lembranças em quem viu (tem vídeo desse show mais abaixo).
Apesar da abordagem de guerrilha, Suzuki gravou discos de estúdio com diversos colaboradores – o mais recente, Arkaoda, saiu em 2022 e caiu bem no gosto da crítica. Mas talvez ele mereca ser lembrado não como músico de estúdio ou ex-vocalista de uma grande banda, mas como um verdadeiro artista mercurial, um filósofo da música livre, um relâmpago que se recusava a ser engarrafado. Enfim, uma lenda do rock que subverteu todas as expectativas – do público e da indústria – de como lendas do rock devem se comportar.
Onde quer que ele esteja, é certo que o som deve estar rolando solto.
Na sequência, uma breve seleta de vídeos com aparições de Damo Suzuki ao vivo, além de um documentário (legendado em inglês), e um papo sobre música espontânea e espiritualidade na Red Bull Music Academy (tem legendas automáticas em português que não resolvem, mas quebram o galho). Boa viagem.






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