Por Pedro Lucas Bezerra e Alexis Peixoto
Existe o pop AUTÓCTONE brasileiro? A resposta, diante de anos de reprodução de rádio e de uma música popular difusa pelo erudito, é claramente ‘SIM’. Mas aquele pop amealhado entre o imperialismo americano e a hegemonia inglesa, que conversa com todos os pontos radiofônicos do mundo, talvez só tenha encontrado paralelo contemporâneo no Brasil entre os grandes nomes com essa figura que ontem partiu deste plano: Rita Lee Jones, dos Mutantes até sua carreira solo, foi a mais bem acabada conexão musical entre a canção brasileira e a tendência de um pop de rádio mundial.
Rita Lee, depois que saiu dos Mutantes pareceu caminhar num ponto entre a psicodelia mais desbragada (como no projeto Cilibrinas do Éden com Lúcia Turnbull, que ainda guarda particularidades com o som dos Mutantes), passando por experimentações com a voz e canção clássica (como em Build Up, sua estreia solo, de 1970), até alcançar as primeiras formulações do modelo antropofágico onde aproxima as antenas até os Estados Unidos e Europa. É desde lá que ela vai assimilar tendências e projetos em evolução a partir de Atrás do Porto Tem Uma Cidade, de 1974, cujo método se consagra com os discos que gravou com a banda Tutti Frutti e com Roberto de Carvalho. É na parceria com o marido, aliás, sedimentada de saída na trinca matadora Babilônia (1978), Rita Lee (1979) e Lança Perfume (1980), que a cantora chega aos píncaros de seu projeto e faz para si um rosário de hits.
Entre meados dos anos 1970 e início dos anos 1980, o que Rita Lee fez foi dar forma ao pop do Brasil remodulando suas influências de rock clássico a partir de um diálogo (inovador, e não derivativo) com o glam rock, a new wave e o yatch rock do período – em diferentes momentos, é possível entreouvir Bowie, Stones, Suzi Quatro, Patti Smith, Fleetwood Mac, Siouxsie and The Banshees, ou Hall & Oates na obra de Rita Lee, o que significa que sua obra abre uma extensão ao largo da grande conversa musical de seu tempo, mas também que cria uma tecnologia de canção dentro da língua portuguesa. Não apenas mimetiza a forma gringa, mas sim traga, transcria, estende e reconstrói as influências, sem jamais se limitar a elas.
O projeto de Rita Lee foi marcado por um movimento semelhante ao das vanguardas paulistanas, do Modernismo aos Concretos: ativar a antropofagia e transcriar a forma estrangeira, produzindo uma nova via na língua portuguesa do Brasil.
No caso de Rita, uma artista desde sempre equipada com todos o carisma e o talento necessário ao superestrelato pop, esse modo de ataque demonstra mais uma aguda visão geracional e comercial do que um projeto intelectual de revisão da identidade nacional. Ao sacar que progressivo mesmo era dar ouvidos e voz às paixões da juventude pós-hippie que já não amava os Beatles tanto assim e pouco ligava para solos de teclados, Rita traçou com propriedade a linha que dividiu a sua trajetória daquela da sua ex-banda que, na direção errada e sem conseguir se viabilizar, não resistiria muito sem ela.
Para efeito de comparação: em 1978, enquanto Os Mutantes liderados por Sérgio Dias – já sem Arnaldo, Liminha e Dinho – passavam perrengue para gravar um Ao Vivo que poucos ouviram à época, Rita emplacava nada menos que seis hits, todos do disco Babilônia: “Jardins da Babilônia”, “Miss Brasil 2000”, “Disco Voador”, “Agora É Moda”, “O Futuro Me Absolve” e “Eu e Meu Gato”, essa última tema da novela global O Pulo do Gato. Lucros e dividendos à parte, é bom lembrar que o sucesso popular é, em maior medida, prova da conexão de um artista com seu público – ninguém compra algo sem um mínimo de identificação.
É por isso que chega a ser injusto e até meio preguiçoso exaltar Rita como “eterna ex-vocalista dos Mutantes”, ou em qualquer termo que desconsidere sua trajetória posterior – artística e comercial. Rainha do rock, por certo, mas também antena-mor do nosso pop, retransmissora de linguagens e visões de juventude eterna. Além da nossa música transformou também nosso imaginário, para sempre.