Em 2003 quando Enxugando Gelo foi lançado o mundo era bem diferente dos dias atuais. Não em tudo, obviamente. Nós brasileiros continuamos enxugando gelo e dançando como patos. Mas lá em 2003, sem internet como conhecemos hoje, sem redes sociais, sem os streamings, o disco de estreia “solo” de BNegão foi lançado em uma revista. Na extinta OutraCoisa, editada por Lobão. Isso mesmo, o artista que anos depois se converteu ao bolsonarismo e sabe lá por onde anda. Na OutraCoisa também foi lançado o primeiro disco da pernambucana Mombojó, mas isso é outra história.
As aspas em “solo” é porque o Enxugando Gelo foi uma tentativa de ser solo, mas foi feito em conjunto com os Seletores de Frequência. Em entrevista a Roberta Martinelli, BNegão disse que na hora de ir pra gráfica mandou alterar a capa e botar o nome da banda, por isso a desproporcionalidade. Em Sintoniza Lá a arte da capa já saiu como banda.
Numa época que havia uma campanha contra a pirataria, BNegão resolveu deixar o disco em um site de alcance mundial e o resultado é que eles foram para a Europa várias vezes fazendo shows em casas com público esgotado. Fruto do lado anarquista que BNegão sempre disse ter.
No Brasil, o disco demorou a engrenar com o grande público, o que não foi problema: é um álbum atemporal e heterogêneo em sua proposta musical. Funk, rock, hardcore, rap, psicodelia. Tem um pouco de tudo em Enxugando Gelo, seja na sonoridade ou temática. Muito disso passa pela filosofia que culmina no encerramento, com “Prioridades” e seus mais de 8 minutos de viagem sonora e de ideias. Minha música preferida de todos os discos que eles já lançaram, por sinal. Construído de forma coletiva, o álbum conta com a participação de Sabotage e Paulão (Gangrena Gasosa), duas figuras ímpares. Sem esquecer Fábio Kalunga, Gabriel Muzak, Pedro Garcia, Pedrão e Rodrigues.
Aperte o play, acende uma vela e deixe a viagem acontecer.