Já teve alguma vez a sensação de que alguns dias são mais longos do que outros? Se você respondeu sim, precisa conhecer a gueersh e o disco Tempo Elástico, primeiro álbum cheio deste quinteto da Região dos Lagos do Rio de Janeiro.
Formada em 2019, a banda já lançou também o EP Fogo Amigo que, embora tenha originalmente sido pensado para um outro projeto, também provoca no ouvinte o mesmo senso de deslocamento espaço-temporal que as sete canções de Tempo Elástico. São pequenas gemas indie pop embrulhadas em delicadas linhas de guitarra que entram por curvas imprevistas e ora se transformam em jams fritadas, ora reconstroem a calmaria, como a maré secando num fim de tarde.
É essa permanente sensação de imprevisibilidade, inabalável mesmo após várias audições, que abrilhanta ainda mais o inegável apelo pop de faixas como “Céu Rosa” e “A Curtinha”, e impede que faixas mais longas como “Luz Guia” e “Corte/Quebra” se percam em experimentalismos vazios. Ponto pro entrosamento da galera, herdado das origens como um projeto de improviso livre, como Thomaz Alves (baixo) e David Dinucci (guitarra) contam na entrevista a seguir.
No papo, concedido nos intervalos de uma tour pelo Uruguai e Argentina, eles falam também sobre as gravações de Tempo Elástico e a cena underground da Região dos Lagos e arredores.
Revista O Inimigo: Queria começar a entrevista pedindo pra você apresentar a banda, e falar um pouco de como vocês começaram a tocar juntos.
Thomaz Alves: A gueersh hoje é um quinteto: Lívia Gomes nas vozes e synths, David Dinucci e Guilherme Paz nas guitarras, Thomaz Alves no baixo e Igor Arruda na bateria.
A banda começou como um projeto de experimento livre, lá em 2019. Nasceu a partir do improviso de três guitarras que dividiam uma casa em frente ao Praião em Barra de São João, Região dos Lagos no RJ. Foi chegando a bateria com baixo e rolaram algumas apresentações de improviso livre e de trilhagem de filmes nessa região do interior. Depois esses experimentos foram guiando pra estruturas sonoras e as músicas do Tempo Elástico foram surgindo coletivamente. Meio que quase todos já tinham algum projeto anterior, como o marianaa de David, então foi uma aglutinação de muitas referências diferentes.
Essas três guitarras sendo a Lívia a terceira, boa parte do disco são com três. Mas desde o ano passado ela migrou totalmente pro synth.
Interessante saber que a banda começou nesse formato de experimentação livre, pois uma coisa que me surpreendeu no Tempo Elástico foi esse clima de jam livre quando bateu “Luz Guia”. Não tava esperando uma faixa de 10 minutos já na primeira metade do disco e depois nem queria que acabasse (risos).
Thomaz: Sim! Acho que o ouvinte médio ficaria com um pé atrás pelo tamanho, mas optamos por manter a energia. E todas as músicas foram gravadas ao vivo em estúdio, todos tocando numa mesma sala. Só a voz e alguns synths que foram gravados depois.
Essa formação de 3 guitarras também já estava no EP Fogo Amigo?
Thomaz: Não, na real Fogo Amigo vinha de um projeto de power trio de mesmo nome, que era eu, Guilherme e David, numa proposta instrumental e mais minimalista. Aí depois Livia chegou junto nas vozes e Guilherme (que gravou a bateria) gravou mais uma guitarra.
Acabou que gravamos Fogo Amigo nos intervalos das gravações de Tempo Elástico e gostamos da ideia de linkar ao gueersh como uma proposta “paralela”.
Como é a cena na região dos grandes Lagos? A maior parte do que a gente ouve falar do Rio é da capital, muito por conta da movimentação da Transfusão Noise/Escritório.
David Dinucci: A gente acabou encabeçando muita coisa ali na região. Primeiro concentramos em Rio das Ostras onde levamos muitos shows, com nossa produtora coletiva que chama Varejão Volante, em 2018 e 2019 pro teatro da cidade e depois em Campos nos últimos 2 anos. Fizemos Kartas, Marcelo Callado, Laura Lavieri e um pessoal de BH em Rio das Ostras, onde mantivemos uma casa que era um centro de ação nosso por esses anos. E em Campos, onde foi nossa última residência fixa, levamos o Test, The Dumpies, entre outros. A coisa acabava concentrada nos nossos projetos por falta de bandas locais que dialogassem com nossa proposta. Nesse sentido é bem escasso. Em Campos conseguimos criar um certo público e espalhar poucas, mas boas sementes.
Em Cabo Frio estão as pessoas que mais dialogamos, o pessoal da Subverso Zines que mantêm um espaço de shows, o Daniel e Bárbara do Brita, que movimentam as coisas há um bom tempo já. Fazer as coisas por lá tem sido um trabalho de formiguinha, o retorno fica muito no campo abstrato. Não vejo muitas bandas surgirem, apesar de sentir uma galera mais nova chegando, mas bem devagar.
A impressão que eu tenho é que a expectativa de quem quer ter banda já mudou um pouco nos últimos anos, não? Antes o sonho de sucesso era, sei lá, tocar em festivais e vender CDs, ser destaque na capa da Trama Virtual. Hoje acho que a galera tem outras possibilidades, mas isso traz também outras cobranças que nem sempre o underground consegue dar conta. Daí talvez o “cansaço” com o rolé bater mais rápido.
David: Sim, total. O rolê foi diversificando mais também. Em Campos fizemos conexão com uma galera mais nova que dialoga com a gente em outras áreas. É sempre um desafio muito grande, a gente enquanto músico e também agente cultural tá sempre conflitando sobre as estratégias dessa formação. Tentando compreender os meandros desse desafio e os algoritmos que nunca tão do nosso lado (risos).
E essa tour pela Argentina e Uruguai, como vocês articularam? Vocês estão na estrada agora né? Conta um pouco de como tem sido o rolé também, a recepção do público.
Thomaz: Articulamos da forma mais independente e freestyle possível (risos) há uns meses, sentamos e planejamos uma rota, já com contato no Uruguai e alguns lugares do sul. Incluímos Argentina e preenchemos o caminho até aqui. Dos lugares que não tínhamos nenhum contato fomos buscando na Internet, Instagram e Bandcamp. Uma banda vai levando a outra, a um espaço maneiro que leva a um outro produtor e por aí vai. Fomos fortalecendo dessa forma, passando por uma diversificação bem grande de nichos e espaços até então.
E tem sido incrível, nesse momento estamos na Argentina. Hoje é o segundo dos três shows que faremos aqui. Estamos sendo bem recebidos demais, uma outra perspectiva de rolê e a recepção tem sido super calorosa (apesar do frio brabo rs).
Até então tem sido uma troca maneira e frutífera com a cena daqui. Estamos dialogando mais com uma cena do post-punk argentino, como o trio Red Catarsis (que nos ajudou demais em toda chegada) e Fulgor. Sábado é nosso último show e partimos pro Uruguai, tendo mais três apresentações pra semana que vem por lá. Depois faremos algumas datas no Brasil na volta, como Pelotas, Florianópolis, Ribeirão Pires, etc.
Além desse circuito do Sul / Sudeste, vocês têm feito contato com a cena de outras regiões? Planos ou possibilidade de subir aqui pro Nordeste em breve?
Thomaz: Sim! Tem rolado algum contato com uma galera do Centro-Oeste e esse ano pode rolar algo por Goiânia e Brasília. Nordeste temos muita vontade, mas ainda não tem rolado uma possibilidade mais concreta, o que também tenho certeza que deve rolar muito em breve também, temos algumas pontes que nos levam até aí então é questão de intencionar as ações nesse sentido e partir. Tomara que role ainda esse ano também, somos doidos pra tocar aí.
Ouça Tempo Elástico no YouTube.