Africa Must Be Free by 1983: Clássico de Hugh Mundell completa 45 anos

Hugh Mundell: talento precoce e carreira meteórica

Eu fiquei impressionado quando ouvi pela primeira vez o Africa Must Be Free by 1983, não só por ser aquele reggae roots, pedrada, mas pela qualidade das letras. Mais impressionado ainda eu fiquei quando descobri que Hugh Mundell tinha apenas dezesseis anos quando gravou esse disco. O menino era um prodígio. Cresceu em Kingston na Jamaica, no coração da (desculpem pelo uso do termo a seguir, não sei se é adequado ainda) cena do reggae. O pai era advogado e ele cresceu numa família abastada, religiosa e politizada. E quando eu falo religiosa, obviamente me refiro à religião rastafári.

Com quatorze anos estava na escola rabiscando suas primeiras músicas quando através de seus amigos (entre eles Winston McAnuff) foi parar dentro da gravadora de Joe Gibbs que até hoje é lembrado como um dos grandes produtores de reggae do seu tempo. Por ser jovem demais ainda, Hugh Mundell não foi muito encorajado por Gibbs a continuar com a carreira musical, contudo chegou a gravar uma faixa chamada “Where Is Natty Dread?”. Tudo parecia que teria de ser postergado, mas não foi o caso. Hugh Mundell chamou a atenção de Augustus Pablo, outro produtor importante que já tinha gravado e tocado com o The Wailers (sim, o relacionado a Bob Marley). Desse encontro surgiria a amizade que mudaria a vida e o trabalho de Hugh Mundell e depois então em 1978, o Africa Must Be Free by 1983 foi lançado.

As letras desse disco abordam principalmente temas religiosos, sociais e raciais. Entre letras para influenciar um pensamento positivo e chamados à revolução, também temos letras que falam de união, igualdade e devoção como em “Why Do Black Men Fuss And Fight”. É um campo amplo, mas sólido.

Capa de Africa Must Be Free By 1983

O nome do disco seria uma frase de um discurso feito pelo próprio Haile Selassie, o imperador etíope considerado o Deus encarnado. A mensagem é importante, revolucionária e sem dúvida ainda relevante. Como por exemplo na música “Day of Judgement”, que começa da seguinte forma: “The day is coming up so soon / When there shall be the fallin’ of all capitalists”. E quando ele fala que “When I and I people should go on home / And vanquish Pope Paul down inna Rome”, também diz que “On the day of Judgement, it sure gonna be dread / Hear what I say, it’s gonna be dread / It’s dread, it’s dread and the gully gonna run red”.

Quando o disco chegou na África do Sul, rapidamente tomou um contexto para a luta anti-apartheid. Aqui no Brasil, talvez ele não tenha se incorporado em causas relativas, mas também teve seu sucesso. A mais famosa desse disco se chama “My Mind” (a letra é um clamor religioso e introspectivo de um futuro melhor), que no Maranhão é bastante conhecida como “Melô da Valéria”. Os DJs de rádio recebiam material em fita cassete e informação sobre o material era pouquíssima. Também havia disputa de exclusividade do material tocado entre as rádios, então para reter audiência, não eram divulgadas quaisquer informações sobre artistas ou os nomes das faixas. Quando iam parar nos bailes das casas noturnas, as pessoas que frequentavam esses lugares por algumas vezes batizavam as músicas, melô disso, melô daquilo. Melô da Valéria foi uma homenagem de um DJ para uma amiga assídua no reggae. Pegou, se espalhou e ficou até hoje.

No fim, a parte triste. Hugh Mundell um dia saiu de sua casa e quando retornou, percebeu que vários pertences haviam sumido. Quando entendeu que estava diante de um crime foi até a polícia e entregou o nome de uma pessoa possivelmente envolvida, conhecida na região por cometer esse tipo de crime. A pessoa em questão foi detida pela polícia, mas seu irmão Rodrigo Codrington decidiu confrontar Hugh Mundell e nessa discussão o matou com um tiro. O ano era 1983, ele tinha 21 anos. No ano em que a África estaria livre.