Listar os discos favoritos do ano é se deparar com impossibilidades. Há discos que ouvi e gostei mas que não me marcaram o bastante, há discos bons que ouvi pouco, e discos que não ouvi bem – ou por falta de oportunidade ou porque voaram por baixo do radar.
Aqui, listo alguns dos discos que ouvi nesse 2022 véi doido e que quero guardar pros próximos. E, como sempre, deixo a recomendação de sacar as listas dos colegas de redação pra ter uma visão mais ampla (e, francamente, mais diversa) do que rolou de som esse ano.
Por ora, siga:

Fernando Catatau – Fernando Catatau
Se você quiser, dá pra riscar uma linha que começa com Ave Noturna, clássico de Fagner de 1975, atravessa a discografia do Cidadão Instigado e vem desaguar nesse primeiro trabalho solo de Fernando Catatau. Como artista só mas não sozinho, o guitarrista e compositor cearense dá mais valor ao diálogo, convidando novas vozes jovens como Giovanni Cidreira e YMA para lhe acompanhar num passeio sentimental pela Fortaleza de sonhos e devaneios cyberpunks. É uma oportunidade de ver um lado diferente de Catatau, menos guitar hero e mais cantor/emocionador.

Letieres Leite & Orquestra Rumpilezz – Moacir de Todos os Santos
O disco mais bonito do ano, da capa ao último acorde. Uma homenagem a rigor ao grande Moacir Santos, lenda do jazz brasileiro e planetário. É difícil afastar o gosto amargo de despedida que marca o último trabalho do maestro Letieres Leites, mas o requinte dos arranjos leva o jogo pro lado do sublime. Afro-futurismo à brasileira em estado presente.

Horsegirl – Versions of Modern Performance
Indies antigos, em verdade vos digo: ainda há vida inteligente com uma guitarra nas mãos. O trio americano Horsegirl, formado por três mulheres na casa dos 20 anos, apresenta em seu disco de estreia um simpósio de barulho e melodia na dose certa. Com canjas de Lee Ranaldo e Steve Shelley (Sonic Youth) e produção do veterano John Agnello (que já gravou Chavez, Kurt Vile, Buffalo Tom e outros), o pedigree está claro e cristalino. Olho (e ouvidos) nelas.

The Smile – A Light for Attracting Attention
Há uma satisfação juvenil em ouvir Thom Yorke e Colin Greenwood tirando som como nos primórdios do Radiohead, mas com a sofisticação natural de quem está há anos sentado no trono de ferro do rock alternativo contemporâneo. Mas o nome da dupla é a verdadeira “luz pra atrair atenção”. Afinal, o The Smile não é um “projeto parelelo”, mas uma banda de fato e nem o batera Tom Skinner (do grupo de jazz Sons of Kimet) é um mero coadjuvante a pegar carona nos amigos famosos. Como um fogo-fátuo, A Light… é um disco bruxuleante, que muda de forma quanto mais a gente chega perto. Das influências primordiais do pós-punk às batidas do afrobeat, há muitas paisagens sonoras a serem desbravadas. Sério candidato a clássico.

Devotos – Punk Reggae
O som da Jamaica sempre esteve presente na receita sonora dos Devotos, mas aqui toma à frente. Embora não seja um trabalho de material inédito, a conversão de alguns clássicos como “Orixás”, “Nossa História” e “Periferia Fria” (aqui com participação de Criolo) ao reggae traz um frescor renovado para a discografia do trio do Alto Zé do Pinho. Pode ser até uma boa introdução a novos fãs ou até pra quem sabe onde é que faz, mas não curte muito punk rock hardcore dos caras. Ou seja, só vantagens. Gosto muito da capa também, como sempre assinada pelo guitarrista Neilton.

Hermeto Pascoal e Grupo – Planetário da Gávea
Não é exatamente um álbum novo, mas um registro de um show de 1981 só recentemente descoberto. São mais de duas horas de som (registrada em vinil pelo selo Far Out Recordings) de Hermeto e banda, esmerilhando sintonia em cima do palco. Chamar de aula seria fácil e um tanto careta: o que se ouve aqui é um grande papo musical que pode ir da algazarra ao sussuro, sempre instigante.

Built to Spill – When the Wind Forgets Your Name
Doug Martsch, guitarra, voz e liderança do Built To Spill, não conseguiria fazer uma música ruim nem se tentasse. Neste que é o nono trabalho da banda e primeiro pela Sub Pop, Martsch conta com o toque dos brasileiros João Casaes e Lê Almeida (da Oruã, e trocentos outros projetos), para compor pequeno ensaios guitarreiros sobre o trivial maravilhoso, sanidade e a impermanência das coisas. Menos pesado que os dois últimos, porém com muito mais amperagem emocional.

Duster – Together
Depois de quase vinte anos de silência e de uma volta triunfal em 2019, os papas do slowcore soltam mais um discão de canções lentas, espaciais, reflexivas. A ironia do título é que esse é um disco perfeito pra uma audição individual, imersiva. Mas, calma: aqui tem melancolia sim, depressão não. Mas vale o alerta: o perigo é depois ter vontade de sair de casa e montar uma banda.

Jean Medeiros – Contos de Terra e Sol
A estreia do guitarrista piauiense Jean Medeiros é um prato cheio pra quem gosta de jazz e da música do Nordeste , e ainda mais saboroso para quem não imagina uma conexão possível entre os dois mundos. Agregando uma seleção de músicos de todas as partes do Brasil, Contos de Terra e Sol é uma viagem ao centro do país em ritmo de sutil eletricidade. E ainda tem a capa linda, assinada pelo artista Jardel Castro.

Les Rallizes Dénudés – The OZ Tapes
Boa parte do que se escreve sobre o Les Rallizes Dénudés define a banda como “o Velvet Underground do Japão”. Tem a ver, mas cabe uma ligação com o Grateful Dead também. Como a galera de Jerry Garcia & cia, o grupo liderado pelo doidão Takashi Mizukane sempre preferiu os palcos aos estúdios. Tanto que nunca gravaram um álbum de estúdio fato, preferindo registrar as canções em cima do palco, num esquema quase pirata. Esse The OZ Tapes é um registro inédito de um show em Tóquio, gravado em 1977 mas só lançado esse ano. Boa porta de entrada pro universo barulhento, psicodélico e doce da banda.

Parquet Courts – Plant Life EP
Três remixes espertíssimos pra uma das melhores faixas do disco Sympathy for Life, que o quarteto soltou no finzinho de 2021. É play, felicidades e xau.