Discografia Potiguar: General Junkie – General Junkie

Publicado originalmente em 29/04/2010

Lembrar da lendária General Junkie é lembrar lugares que não existem mais. Quem imagina hoje um show em um bar na beira da praia de Ponta Negra, próximo ao Morro do Careca, com a maré querendo invadir o local? E no Bar do Buraco, na Vila de Ponta Negra? O bar foi transformado numa igreja evangélica! E lá ocorreram shows históricos, como o primeiro em Natal da banda Raimundos. O General é lenda, seus shows também. O que vi no Bar do Buraco junto com a pernambucana Eddie ainda reverbera na memória. A banda não acabou, adormeceu, reza a lenda. Fruto provavelmente da inquietação de Gustavo Lamartine e Paulo Souto, ambos hoje a frente do DuSouto. O General é das poucas bandas que se escuta e diz: são eles. Seja na voz de Gustavo, na guitarra distorcida aliada ao baixo funkeado, nas letras com crônicas sociais — as vezes com duplo sentido — ou nas misturas entre baião, repente e rock. Não tem igual. Ninguém se atreveu a tentar fazer igual depois deles.

Formada em 1987 por amigos de colégio, a banda trilhou um caminho de sucesso devido a criatividade, tão em falta nos dias de hoje. Tocaram em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, em Recife nos primórdios do Abril Pro Rock. Abriram para grandes nomes como Chico Science & Nação Zumbi e Raimundos. Fizeram parte da coletânea Brasil Compacto, lançada em 1996 pelo selo Rockit de Dado Villa-Lobos. No disco a banda entrou com as músicas “Convulsão” e “O Amargo”, que não fzeram parte do único disco lançado em 2001 pelo selo DoSol. De todas as bandas que participaram da coletânea, a única que continua na ativa, com sucesso, é a pernambucana Eddie. O General que no início era Lee, também participou de programas na MTV com Soninha, Gastão e Massari, o reverendo. E mesmo com tudo isso não deu certo? Não, não deu (será?). Hoje daria? Provavelmente, mas os músicos estão em outra viagem, muito diferente da anterior.

Personagens reais

Paulo e Gustavo sempre expressaram muito bem a vida da cidade Natal em suas letras e músicas, prova disso é que duas figuras famosas na cidade e redondezas, Brinquedo do Cão e Brigite, ganharam músicas em sua homenagem. Brinquedo, um ladrão destemido. Brigitte uma travesti famosa que fazia ponto na BR 101 na altura do posto Planalto, em Candelária. Reza a lenda que ela traçava políticos e profissionais liberais famosos de Natal, desta forma, era melhor queimar o arquivo. Foi achada com vários tiros na Rota do Sol. Dizem que de madrugada um vulto loiro é visto pela área. Quem define bem essa relação das letras com Natal é Carlos Fialho, escritor potiguar: “Se “Linda Baby” de Pedrinho Mendes é uma espécie de hino de Natal, “Típico Local” do General [Junkie] é uma versão Rock’n’roll que expressa a inquietação dos adolescentes roqueiros nos longínquos e confusos anos 90, quando tínhamos que garimpar pelos guetos da cidade a procura do som nosso de cada dia”. Mas por que a música em sua homenagem não entrou no único álbum lançado? Anderson Foca, produtor cultural, músico e produtor do único disco da banda dá a pista: “O set [list] foi escolha deles. E eles quiseram registrar muitas coisas recentes que estavam mais na veia deles naquele momento. Não estavam a fim de nostalgia”. O engraçado é que “Quem Matou Brigite” ganhou clipe, chegando a passar na programação regular da MTV. Se a música não entrou no disco homônimo, que tinha como temática o lixo, o cotidiano da pacata Natal foi retratado em “Mete Bronca”, Típico Local” e “Brinquedo do Cão”. Outras músicas como “Cuidado com o que você consome”, “Selvageria”, “Fiscal da Natureza”, “Ladrão” e “Sinfonia Celular” abordam temas gerais a qualquer sociedade.

Já a ousadia sonora local pode ser vista nas faixas “Girando” e “Assulero” que levam ao côco, embolada, repente e baião. Uma das influências assumidas da banda, e que tornaram o seu som peculiar, é o potiguar Chico Antônio [embolador de cocos de Pedro Velho e personagem de Mário de Andrade em cinco obras: “Os Cocos”, “Danças Dramáticas do Brasil”, “Vida de Cantador”, “Turista Aprendiz” e “Melodias do Boi e Outras Peças”]. Figura pouco conhecida por aqui. O disco ainda tem a característica de ter sido gravado “ao vivo”, o que preserva a pegada da banda nos shows que eram sempre muito intensos. Foca explica como foi o dia da gravação e a sensação: “Começamos a gravar às oito da manhã. Chegamos às sete da noite, e nêgo nem dormiu. Eu era um misto de fã e produtor, mas já tinha know how de estúdio. Levei o Evil Empire do Rage Against The Machine como referência [principalmente da cozinha] e mandamos bala. Terminamos tudo às 22h. Depois foram umas duas sessões de mixagem e o disco ficou pronto praticamente do jeito que eu mixei. Foi um dia histórico para mim, nunca vou esquecer”.

Foto: Renato de Melo Medeiros 

Pioneirismo, pero no mucho

Lembrar do General remete a quem veio anteriormente. Dez anos antes da banda surgir, Raul e Alcatéia Maldita já estavam na ativa misturando baião, frevo, repente e tudo que desse vontade ao já adolescente rock. Raul e trupe já completaram 30 anos, é a banda mais longeva de Natal. Vlamir Cruz, produtor musical, cultural e ex-integrante da banda Cabeças Errantes credita parte da culpa a falta de memória, de conhecer o passado, dos integrantes de bandas e do próprio público local, que sempre acha que a banda do momento é “a banda”. Vlamir ainda atenta para o fato de que Leno, na Jovem Guarda, já levava o nome de Natal país afora. Quantas pessoas da nova geração sabem quem foi Leno? Talvez dê para contar nos dedos de uma mão. Vlamir também afirma que nos anos oitenta, sem internet, bandas como Cantocalismo, Cabeças Errantes e Modus Vivendi lotavam o Palácio dos Esportes. O público as vezes chegava a mais de 1000 pessoas. Talvez porque naquele tempo a música tinha outro status em relação a hoje. Se é possível falar em pioneirismo em relação ao General Junkie, Cruz aponta a formação de público e formatação do show para qualquer palco. As bandas citadas, que levavam mil pessoas a seus shows, não podiam tocar em qualquer palco, com qualquer equipamento. O General começou a fazer o circuito de bares e criar um público fiel, coisa que hoje não existe tanto. E vale lembrar dois ícones, os bares El Chaco e Chernobyl, onde as bandas de rock locais na época começavam a mostrar seus trabalhos. É da mesma leva a Florbela Espanca, que onde ia também levava sempre um grupo de fãs universitários. O set list, assim como o do General, era repleto de músicas próprias.

Capa de Jaz (demo tape lançada em 1995)
Contracapa de Jaz (demo tape lançada em 1995)

Eternas mudanças, eterno reconhecimento

General Lee era o nome do início, mas existia uma com mesmo nome em São Paulo. Mudou-se para General Junkie. Quem acompanhou o início da banda com uma formação totalmente diferente foi Alexandre Alves, professor, músico, produtor cultural e musical, hoje a frente da banda The Automatics: “Vi o primeiro show deles na Feira de Sebos, Praça André de Albuquerque, 1988, ainda com Gil nos vocais [e que depois iria para o idiossincrático Ferrovia do Ácido]. Foi o primeiro show de rock de uma banda natalense que eu presenciei. Nesta época estava escutando só Echo & The Bunnymen, New Order, The Church e acabei não dando muita atenção para aquele som ríspido e barulhento. Meses depois, fui à casa de Lula olhar um dos ensaios e me deparei com a banda tocando “Cemetery Gates”, faixa do disco The Queen is Dead, dos superestimados à época The Smiths. Gustavo Lamartine já estava nos vocais e Lula me chamou a atenção, pois ele tocava bateria como se quisesse assassinar alguém [não foi à toa que a pele da caixa furou no final do ensaio]”.

Nessa época o som era o tal repentebilly, estilo cunhado pelo jornalista carioca Carlos Albuquerque titular do Rio Fanzine junto com Tom Leão. Nessa fase um vídeo da música “O Nortista” chegou a ser exibido quase na íntegra na antiga TV Cabugi, no RN TV. Algum tempo depois Gustavo comprou um pedal Wah Wah e o som mais uma vez mudou, ficando mais distorcido e pesado, já com Marcelo Costa na bateria. Mas a influência local, principalmente na forma de cantar de Paulo e Gustavo, ainda era nítida, eram vocais puxados para repente e coco. E foi assim até o fim. Fim não declarado, mas que pode ter ocorrido no show de lançamento do disco dos Bonnies, e se minha memória não falha, pelos idos de 2005. São quatro anos sem os Junkies. Arthur “Tampinha” Ricardo [guitarra e vocal d’Os Bonnies] pegou o fim da banda, e lembra dela como referência: “Quando eu ainda frequentava a escola e ouvia algo sobre o rock local, sempre ouvia algo sobre o General e outra banda chamada AR15 — que nunca vi ao vivo. Era o que chegava a mim, no boca a boca. Fora algumas coisas mais íntimas de amigos que tocavam qualquer tipo de coisa. Quando passei a perceber, no meu alcance, claro, o que rolava na cidade — nada que eu tenha a comentar com tanta empolgação -, os caras do General nem tocavam mais. Quando eu comecei a tocar por aí, tempo depois, conheci Gustavo, Paulo e Marcelo. Sem comentários sobre esses galados — no melhor sentido da palavra e do meu humor — e foi muito massa e prazeroso ter tocado com eles no lançamento do nosso EP. Merecem todo respeito e faziam música sem querer ser o chiclete da vez. Foi uma banda e não uma tentativa ou ego de ser”.

#Atualização: A banda ensaiou um retorno e tocou no Festival DoSol de 2011 que você pode ver aqui.