Quem tem apetite por música torta sabe que a Chupa Manga Records serve alguns dos melhores pratos do subterrâneo brasileiro. Há quase dez anos na ativa, o selo-de-um-cara-só comandado por Stêvz (Chapa Mamba, Bagdá Mirim, Rabanadas) segue lançando discos, EPs e singles na marra, mas com uma regularidade impressionante. Do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, com uma improvável escala na Eslováquia, o catálogo do selo tem sons pra todas as cabeças.
Tanto foi que no último mês e meio, saíram quatro novos discos com o carimbo da Chupa Manga. Musicalmente, cada um vai pra um lado, mas todos com uma característica comum: gravados em casa e com equipamentos caseiros ou pouco convencionais.
Assim, passamos em vista os últimos filhotes da Chupa Manga. Todos os discos estão disponíveis no Bandcamp do selo.
Germano da Silva – Janelas Não Mentem, Vol. 1 (Engaiolado)
Enfim, encontrado o elo perdido entre Sergio Sampaio e Guided by Voices. Gravado em 2020 num celular, com pouco mais que um violão de nylon e alguns aplicativos de beats, a estreia de Germano da Silva é a cara da quarentena, como sugere o título. São seis canções breves, meio líricas e fantasmagóricas, que parecem brotar de observações banais (“Será que aquele prédio sabe quem eu sou?”, pergunta em “Degenerador”) e dos interesses mais variados, como pássaros, mitologia grega e o padre dos balões. Será que vem um volume 2 por aí? Faixa favorita: “Sonhos Intranquilos do Café Queimado”
Walter Willy – Cabeça de Paçoca
Cabeça de Paçoca é uma espécie de disco conceitual sobre o desgraçamento mental geral próprio de quem vive no mundo de agora. Manipulando vozes e fitas como quem passa manteiga no pão, Willys cria uma mini-ópera sobre as dores da modernidade, seja na cabeça ou nas costas. Inclui uma releitura de “Pinheirinho de Natal”, composição originalmente registrada pelo autor em 2006, e uma versão em português para “Mongoloid”, do Devo. Quem curtir a lombra (e se ligar em Zappa, Residents, Júpiter Maçã e outras drogas) pode correr e ouvir os outros discos de Willys, lá no Bandcamp dele. Faixa favorita: “Aquele Cara É Legal”
Pâncreas – Concreto Bruto
Estreia solo de André Campos, da Quadrúpede Orquestra. Nove faixas de pura psicodelia de apartamento, mas com varanda e espaço para guitarrices empenadas (“Contato Imediato”, “Dolores Maria”, “Decolonize-se”). Chama atenção também pelas boas letras que valem por mini-pensatas que poderiam cair na cabeça de qualquer um, tal e qual um piano despencado do oitavo andar. É o caso de “Rei de Nada”, gentil meditação sobre o papel do ex-monarca Roberto Carlos, que diz: “Na minha humilde opinião/ Até que ruim ele não é/ Mas não chega a 10% de um Tom Zé”. Assinamos embaixo. Faixa favorita: “Contato Imediato”
Hakaima Sadamitsu x Terlingua – The Sounds of Sadamitsu x Terlingua
Hakaima Sadamitsu (vulgo Henrique Amud) já havia aparecido no catálogo da Chupa Manga alguns anos antes, com o álbum Discard Pile. Agora, apresenta uma nova piração ao lado de Terlingua (Alexandre Lopes). São seis sons que estão em algum ponto entre o ambient e o noise, com um quê de trilha sonora de filme perdido. Detalhe: foi tudo gravado em poucos dias e à distância, no éter digital entre Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro, com ajuda do Whatsapp e do Google Drive. Faixa favorita: “(Extended Cut)”