É impossível falar do metal potiguar sem mencionar a Croskill e o álbum Escape Into Fantasies. Lançado em 1991 pelo selo da revista Rock Brigade, o disco se tornou um clássico cult graças às influências progressivas, e às letras fantásticas e conceituais. Apesar da fama entre curtidores de som pesado de todo o Brasil, poucos sabem das histórias por trás da gravação do disco ou dos rumos que o grupo tomou nas duas décadas seguintes até ensaiar uma volta aos palcos, já em 2013.
A saga do Croskill inclui perrengues financeiros, mudanças abruptas de formação, uma boa dose persistência, show em uma boate natalense da moda, uma temporada em São Paulo com direito a um encontro fortuito com os futuros Mamonas Assassinas, pausas, recomeços e, em 2022, planos para uma retomada consistente das atividades, que conta com formação nova e planos de um álbum de inéditas e de uma reedição em CD de Escape Into Fantasies.
No depoimento a seguir, o baixista Erinaldo Soares conta os bastidores da gravação de Escape Into Fantasies, dá detalhes sobre a residência do Croskill em São Paulo, e a retomada de atividades da banda.
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Gravação de Escape Into Fantasies
A gravação do disco aconteceu de forma complicada pra gente. A começar que a banda era um quinteto, a formação era eu no baixo, Jucian Lima na bateria (irmão mais velho de Júlio Lima), Marcus Varela na guitarra (hoje é professor na Escola de Música da UFRN), Vinicius Costa na outra guitarra e Marcos Aurélio nos vocais. Com essa formação gravamos a coletânea Whiplash Attack. O produtor da coletânea André Pomba Cagni, baixista do Vodu e funcionário da Rock Brigade, nos incentivou a gravar um disco que ele tinha certeza que a Rock Brigade prensaria o disco. Ele foi o principal incentivador pra essa nossa empreitada.
Voltando à gravação, na época o estúdio Edú Heavy era o que havia de melhor, pelo menos pra nós. Era totalmente analógico, embora com apenas 8 canais. A gravação era feita num Tascam maravilhoso, então tinha aquela aura que o analógico traz, de som encorpado. Era caro, a gente tinha pouca grana ,mas eu sempre fui muito otimista e insistente, digamos. Então eu marquei o estúdio para o mês de dezembro de 1990 e ficava todos os dias perturbando os caras com aquela conversa de que conseguiríamos arrumar a grana e fariamos o disco. Faltando 3 meses para a gravação o Vinicius e o Marcos Aurélio pularam fora, a gente ficou meio sem chão porque tinha o lado de tocar e o financeiro pra bancar essa gravação.
O Marcus assumiu todas as guitarras e vocais, já que ele era o vocalista original. Esses 3 meses passamos a ensaiar todos os dias praticamente, quando não era em ensaios elétricos ia acústico mesmo. A gente precisava estar muito bem preparado porque não tinha a facilidade de edição de hoje em dia. Quanto à grana, eu vendi quase toda a minha coleção de vinis, cerca de mil para bancar minha parte e ainda sobrar uma grana para eu ir a Sampa conversar e convencer o Toninho Pirani a lançar nosso disco. Os caras se desdobraram como puderam também para fazer uma grana. O Marcelo Neves do Detroit produziu o disco conosco. Foram cerca de 25 dias dentro do estúdio diariamente, fazendo muitos takes e fazendo o melhor que podíamos e foi muito satisfatório pra a gente.
Contato com o selo Rock Brigade Records

Com o tape embaixo do braço fui para Sampa e fiquei durante 3 semanas dentro da Rock Brigade o dia inteiro, como se trabalhasse lá. De fato fiz boas amizades lá e acabei ajudando o Alberto Torquato, que desenhava as capas do Viper, Vodu e muitas outras bandas na época com o trabalho de diagramação da própria Brigade. Até que em um momento o Toninho me chamou pra ouvir o tape e fez a proposta de bancar a prensagem e racharmos as cópias. Voltei de Sampa com isso tudo pronto, contrato para lançar o disco e 2 shows de lançamento no Dynamo agendados para após o disco sair.
Foi incrível pra mim e pra os caras, tenho certeza. Voltei pra Natal com essa notícia e a repercussão na cidade, pela galera da cena foi muito massa, todo mundo curtindo e apoiando. E rendeu algumas matérias em jornais e na imprensa em Natal, e também um show de lançamento na boate Flash, algo bastante inusitado para uma banda de metal. A boate lotou nesse show e eu mesmo fiz a trilha da noite, dei uma de DJ, levei algumas fitas gravadas e mixadas com muito classic rock e metal, ao ponto do DJ residente me pedir cópias das fitas que levei e indicações de sons (risos).
Temporada em São Paulo
Em Sampa, a recepção pra os 2 shows foi muito curiosa. Lá tem aquela coisa de a galera observar a qualidade dos músicos, uma boa parte da galera fazia e acho que ainda faz isso. Mas a gente tinha passado quase um ano e meio se preparando, se somarmos a [coletânea] Whiplash, o disco e os ensaios pra shows. A gente tocava muito coeso e muito técnico pra um bando de Nordestino auto-didata e isso foi causando uma impressão neles lá muito massa. Depois disso eu e Jucian ficamos em Sampa a partir desses 2 shows de lançamento que fizemos, com o Leviaethan do Rio Grande do Sul, que também era banda da Rock Brigade e também tava com disco lançado. Foi muito massa e nós arrumamos dois guitarristas em Sampa e um vocalista chileno para substituir o Marcus e voltamos a ser quinteto. E aí ficamos quase dois anos por lá, tocando com muitas bandas da cena e éramos bastante respeitados pela nossa maneira de tocar e de ser também.

Fizemos alguns shows memoráveis lá, na cidade de Guarulhos, no aniversário da cidade pra 10 mil pessoas no estádio de Guarulhos. Uma das bandas que tocou nesse mesmo festival foi o Utopia, que mais tarde seria o Mamonas Assassinas. Outro show fantástico foi no Aeroanta em Pinheiros, que não existe mais, mas era uma casa que tinha shows incríveis, de bandas de todos os estilos, e bandas grandes e muitas bandas gringas tocavam lá também. Esse show teve ainda o Acid Storm, Ação Direta, MX e Revenge. O Escape foi provavelmente o primeiro disco conceitual de metal lançado no Brasil e isso também chamou a atenção pra o trabalho, com interesses de gringos mas acabou não vingando como pretendíamos. Era bem mais difícil aquele período.
Pausa e retomada
Após essa volta pra Natal nós demos um tempo na banda e voltamos em 95, com eu e Jucian e André Alves na guitarra (irmão de Edu Heavy) e Eduardo Potyx nos teclados. O Jucian assumiu os vocais nesses período e voltamos mais uma vez pra Sampa em 96 com a formação completa, mas era aquele período do grunge e não foi legal pra a gente. Jucian saiu da banda e foi para o Surto e nós três acabamos o Croskill e montamos uma outra banda chamada Zorazzero, com um som bem mais pop e com bastante influência eletrônica e gravamos um disco chamado Mundo Plástico. Eu acabei voltando para Natal em 2008.
Só voltaríamos com o Croskill quando Anderson Foca me convidou para tocar no Dosol em 2013 e aí a volta acabou acontecendo mais lentamente que pretendíamos. No Dosol, a formação tinha o Flávio Horroroso e o Remullo nas guitarras, e o Julio Cortez nos vocais. Foi meio assustador para alguns caras que esperavam um som exatamente igual ao disco e viemos com um vocal gutural e o som bem mais agressivo.

Na época eu era o único dos donos remanescentes do Hells Pub e minha vida tava atribulada, então a volta mesmo acabou sendo protelada até 2019 quando começamos de fato a materializar isso. Daí veio a pandemia mas os planos continuaram e culminaram com o relançamento [do Escape Into Fantasies] em CD num box com biografia da banda e alguns bônus que será feito nos próximos meses por um selo do Rio. Também já temos 70% de material pronto para o novo disco que ainda vamos gravar esse ano. A temática tem tudo a ver com esse desgoverno e vamos tentar lançar ainda esse ano. Nós achamos que é necessário se posicionar contra a corja que rege esse país hoje. O músico, o artista precisa ter uma voz ativa, é o que penso. Temos também outras coisas acontecendo e em breve mais novidades surgirão. Continuamos eu e Jucian, que agora voltou aos vocais além da bateria, o Karim Serri na guitarra, ele tocou conosco em Sampa e mora hoje em Curitiba e mais um guitarrista daqui, ainda em fase de testes.