Já se foram 10 anos desde E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando a sua Fuga, Cavando o Chão com as Próprias unhas, disco de estreia da carreira solo de Jair Naves. Uma bela estreia, inclusive, após o EP Araguari. Ouvindo hoje, parece que Jair 10 anos atrás previa os dias atuais na abertura do disco com “Pronto para morrer (o poder de uma mentira dita mil vezes)”. Se nela a pegada era mais veemente, mais forte, mais incisiva, em “Meu Calabouço (Tão Precioso é o Novo Dia)” traz a constatação abrindo o novo disco. Infelizmente. E como ele diz na música, não foi por falta de aviso o buraco em que estamos.
Com o passar desses 10 anos e a entrega de quatro álbuns, Jair se consolida como um excelente letrista e um músico que não gosta de uma linha reta na produção. Olhando mais para trás, com a Ludovic, já podia se ver isso de forma menos explícita. Mas estava lá o desejo de mudar. Em Ofuscante a Beleza que Eu Vejo Jair segue mudando. Entregue a uma sonoridade mais concisa e suave de mãos dadas como as letras que falam dos dias, do amor, da necessidade de lutar no dia seguinte sempre. Vai além falando de violência, obscurantismo, televisão. Os dias não tem sido fáceis com uma sucessão de desgraças causadas por quem deveria evitá-las, mas resolveu tornar a barbárie um plano de governo. “Liberdade é só a distância entre caçador e caça”. Simples e fácil de entender como ele canta em “De Arder”.
A música mais bonita é “Vai”, que toca em um assunto recorrente nos álbuns de Jair: o amor somado a separação. Sendo uma fuga ou um caminho natural do desgaste. No já citado Araguari, Jair já fala sobre a separação em “Silenciosa”. Descreve todo um cenário de mudanças que passam até pelo silêncio da casa. Em “Vai”, com pequenos ruídos eletrônicos de fundo dando um clima de estranhamento, Jair canta mais uma vez sobre a necessidade de ir, de deixar pra trás o que já não satisfaz. A dificuldade em aceitar, em crescer. Mas que mesmo assim aceita, a contragosto.
O fato de Jair morar há alguns anos nos EUA torna o olhar de fora mais crítico, como ele mostra em “Morre um Apaziguador/Nasce um Saqueador” e “Nasce um Saqueador/Morre um Apaziguador”. A primeira é uma das tantas músicas em que Jair impõe sua voz com auxílio de um piano. O que torna a letra ainda mais contundente. A segunda já com uma pegada mais pesada que lembra os tempos de Ludovic.
Ofuscante a Beleza que Eu Vejo é um disco de altos e baixos que vai do amor ao gosto de vingança na boca. Se “Vai” é a música mais bonita, a dobradinha “O Dialeto” e “Breu”, perto do encerramento do disco, são pesadas ao extremo. Mas com temáticas diferentes. “O Dialeto” sobre se esquivar das responsabilidades. Já “Breu” sobre a relação com o fim da vida. Pode ser de uma pessoa querida, pode ser de um animal de estimação que se torna muito mais que isso. Nos alegra, nos traz amor, mas pode nos consumir em momentos de dor.
“Tão Precioso é o Novo Dia (Não Tem Mais Urgência Alguma)” deveria ser meu mantra e o de tanta gente por aí. Mas a verdade é que o novo dia traz é ansiedade. As vezes dormir é um fardo porque marca o fim de um dia que deu certo e configura um novo vindouro sem perspectiva ou com ares negativos. Mas a gente chega lá, Jair. Nem que seja na força do ódio.
Ofuscante a Beleza que Eu Vejo não é um disco fácil, como todos os de Jair. Requer, como fazíamos antigamente, parar para escutar. Desligar do entorno, sentir o disco, entrar no clima que vai do inconformismo, do ódio, passando pela luta diária e chegando a vitória que chegará amanhã. Amanhã é logo ali. Resistamos.