Sonic Youth morreu, mas passa bem

Sonic Youth no início dos anos 2000, da esq para dir: Kim Gordon, Lee Ranaldo, Thurston Moore, Steve Shelley e Jim O'Rourke

Pra uma banda que não existe de corpo presente há dez anos, o Sonic Youh segue ativa. Nada surpreendente para quem sempre se pautou pela necessidade de movimento, pelo compromisso de nunca ficar parado na mesma posição por muito tempo. Essa existência além-túmulo então, que compreende o recém-lançado In/Out/In e a impressionante desova de bootlegs e raridades do projeto Sonic Youth Archive, pode ser entendida como um último ato de teimosia contra a inércia, um espasmo final. Mesmo sem cabeça, o corpo ainda se move porque não sabe ser de outra forma.

Capa de In/Out/In, editado pelo selo Three Lobed Recordings.

In/Out/In, o tal “disco novo” em questão, reúne cinco improvisos e experimentações inéditas registrados em estúdio entre 2002 e 2010. Ou seja, estão aí incluídos fonogramas da “fase Jim O’Rourke” e do breve retorno à formação em quarteto, já mais pro fim da década. Como os fãs mais aguerridos do SY sabem, o recorte temporal importa muito. Cada década da banda é uma forma diferente de ataque. Depois da fase no wave da primeira década, e do status de divindade alternativa conquistado nos anos 90, os últimos dez anos da banda foram marcados em igual medida pela experimentação, pela reestruturação, e pela retomada do equilíbrio. A criação da quinta vaga – ocupada pelo já citado O’Rourke e depois por Mark Ibold, baixista do Pavement – , a mudança interna na formação com Kim Gordon assumindo a terceira guitarra, e o arco discográfico do difícil NYC Ghost and Flowers (2000) ao rockão direto de The Eternal (2009) são exemplos desses movimentos de avanço e recuo.

In/Out/In soa como um passeio a limpo por esses momentos de reta final, e serve inclusive para ilustrar os pontos de conexão entre eles e com a trajetória da banda em geral. O SY nunca soou tanto como o Velvet Underground quanto em “Basement Contender”, que abre o disco. “In & Out” é a típica faixa liderada por Kim Gordon, de andamento tenso e espaçoso, letra falada e em conexão direta com o que seria o trabalho dela pós-SY, no duo Body/Head. “Machine” e “Out & In” são as que mais se aproximam de faixas “convencionais” da banda, enquanto “Social Static” dá a liga com os EPs experimentais da série Sonic Youth Recordings.

Chega a ser poético, pra não dizer lógico, que os anos de busca e exploração sonora da banda cheguem ao ponto de conclusão na forma de um disco quase todo instrumental, de livre improvisação, sem “canções”. In/Out/In é o som do Sonic Youth curtido & curado, enfim livre de todas as amarras – das estruturas convencionais da canção, dos fantasmas corporativos, das turnês, do olho público. É a cena do filme em que os alienígenas do bem, após cumprir a missão na Terra, retornam ao seu planeta de origem. Debaixo do sol, de braços abertos, tudo que é rock se desmancha no ar e se sublima em um milhão de partículas de poeira. O Sonic Youth já não é mais uma banda, é uma ideia. O que é infinitamente mais poderoso e difícil, diga-se.

Ouça In/Out/In no Bandcamp do selo Three Lobed Recordings: