Discografia potiguar: GRM Blues Band – Mãe Luiza in Blues

GRM Blues Band ao vivo no Blackout, em 1997 (Acervo pessoal de Moisés de Lima)

Howlin’ Wolf uivando para a lua do alto do farol de Mãe Luiza, Hendrix lombrado da maresia do mar. Exótico? Nem tanto para quem frequentou a noite natalense nos anos 90, quando a GRM Blues Band injetou blues rock na veia musical potiguar a “golpes de guitarrada”, como lembra Moisés de Lima, baixo, voz e harmônica do trio que contava também com Ricardo Silva (guitarra e voz) e Gilmar Santos (bateria). Mãe Luiza in Blues, único registro deixado pelo grupo, é uma daquelas raridades a espera de redescoberta e vale por uma fotografia de uma cena blueseira potiguar que praticamente já não existe mais.

Mas antes de falar da trajetória da GRM Blues Band, é preciso mencionar outra banda importante da cena independente do Rio Grande do Norte. “A GRM Blues Band foi uma espécie de continuação da Florbela Espanca”, conta Moisés. “A Florbela durou de 1989 até 1994, inicialmente com Isaac Ribeiro (voz), Helder Gomes (baixo), mais Ricardo e Gilmar. Conheci Ricardo na Rádio Poti, eu era repórter e ele era da área de Esportes de lá. E Gilmar trabalhava como sonoplasta. Então, eu já conhecia os caras, ia aos shows como público e tal. Nessa época eu já tocava baixo em algumas bandas de garagem de Ponta Negra, que é o meu bairro original. Até que em 1993 surgiu a oportunidade de integrar o Florbela, já que Helder estava mudando para a guitarra. Tocamos algum tempo com essa formação em quinteto, depois Helder saiu e mais tarde Isaac se afastou para tocar outros projetos. Então a Florbela foi parando, mas nós três – eu, Gilmar e Ricardo – ficamos com a ideia de continuar”.

Afiados no palco, o trio resolveu iniciar um novo projeto que se distanciasse um pouco da sonoridade mais alternativa da Florbela, inspirada por Smiths, Velvet Underground e REM, e mergulhasse no blues rock, linguagem comum aos três. A partir dos primeiros ensaios na casa do irmão de Moisés, em Mãe Luíza, foi surgindo um repertório entre composições próprias e covers de Stones, Hendrix e outros craques do blues elétrico.  A estreia nos palcos, já como GRM Blues Band (o nome faz referência às iniciais do trio), foi em uma festa no mesmo local.

Em pouco tempo, a banda virou figura fácil no Blackout, Taverna Pub, Boulevard e outros points natalenses da época. Depois, chegaram a tocar também em alguns municípios do interior, como Mossoró, Nova Cruz e Santa Cruz. A força do blues potiguar era tanta que rompeu as fronteiras estaduais e foi bater na Soparia de Rogê, clássico pico alternativo de Recife, espécie de templo do Mangue Beat.

“Conseguimos um contato de lá. Rogê queria botar uma banda de blues, isso durante aquela efervescência toda do Mangue Beat.  E fizemos uma apresentação muito interessante, que contrastou com o momento que eles estavam vivendo lá em Recife, com Chico Science, o maracatu, sons afro. Chegamos lá tocando blues tradicional e o pessoal ficou assim… Parecia que tava vendo uma coisa de outro planeta”, conta Moisés, rindo.

Ele lembra que em Natal o som da banda era mais bem recebido, e que havia outros grupos que compunham uma espécie de micro-cena blueseira na cidade, com nomes como Mad Dogs e Sangueblues. “É importante contextualizar a força que bandas como a nossa tinham na época. Nos emergimos nos anos 90 com essa proposta blues, e criou-se realmente um cenário muito forte de bandas que tinham propostas diversificadas, mas tendo o blues como centro da coisa. O Mad Dogs tinha um som muito refinado, técnico, jazzístico. O Sangueblues era mais dançante, um blues mais funkeado, soul, com elementos de música latina também. E nós éramos os patinhos feios, os que abriam caminho a golpes de guitarrada”, resume.

Gravação artesanal e clandestina

Capa do disco Mãe Luiza in Blues, editado em CD pela Solaris Discos em 2002.

Paralelo aos shows, a GRM começou a escrever material autoral, sempre seguindo a cartilha do blues. Moisés dá a letra: “As canções eram em inglês, com temáticas clássicas do blues – a coisa do amor perdido, da música, da guitarra, da falta de dinheiro. “Double Trouble Girl”, por exemplo, falava de uma garota complicada. “I Got a Guitar” falava do amor de um músico pelo seu instrumento, e “Ressurection for a Blues”, falava de um amor perdido, mas que o blues fez com que o personagem se levantasse novamente, ou seja, ele ressurgia pelo blues. Coisas assim”. Ele calcula que a banda tenha escrito entre 10 e 15 canções nessa época.

Logo, a ideia de gravar o material começou a ganhar corpo entre o trio, mas havia um problema digno de um blues: a falta de grana. Entra em cena Gilvan, irmão de Gilmar, que na época trabalhava como operador de áudio na 96 FM e sugeriu que a banda usasse o estúdio da rádio em um horário vago. E lá foram os blueseiros entrar de fininho na rádio, decididamente uma das menos roqueiras da cidade, para gravar suas canções numa tarde de sábado de 1995.

“Até hoje não sei se a direção da rádio autorizou esse negócio”, ri Moisés. “Nenhuma outra banda fez isso, nem as bandas que costumam tocar lá. Foi uma gravação improvisada, artesanal, que a gente fez pra driblar a falta de recursos. E curiosamente, foi no estúdio de uma rádio que nunca tocou rock na programação”.

Foi dessa sessão algo clandestina que saiu o material que compõe Mãe Luiza in Blues, único disco da GRM Blues Band. Mas a trajetória do estúdio aos ouvidos do público ainda seria mais longa. Por anos, o registro ficou disponível apenas em fita cassete, com poucas cópias passadas de mão em mão entre o círculo de amigos mais próximos da banda.  Foi só em 2002, quando Alexandre Alves sugeriu a inclusão do material no catálogo do selo Solaris Discos, que Mãe Luiza in Blues foi editado em CD. A iniciativa foi boa, mas a banda já não existia desde 1998.

“Nós éramos da periferia, os marginais do negócio. Mas a gente conseguiu entrar e fazer um som respeitável. O pessoal se rendeu àquilo naquele momento, e a gente pode fazer parte de uma cena muito interessante da cidade naquela primeira metade dos anos 90”, diz Moisés.

Pra quem não viveu e pra quem quer reviver aquelas noites enfumaçadas de blues, a hora é agora. Ouça Mãe Luiza in Blues da GRM Blues Band pelo canal Botija Rio Grande: