Fernando Catatau estreia solo entre o romantismo e o futuro

Fernando Catatau e os tais caquinhos. Foto: Jamille Queiroz

Ao longo de sua obra como compositor, guitarrista, cantor e produtor, o grande trunfo de Fernando Catatau sempre foi a emoção crua. É esse compromisso em cantar honestamente sobre o que dói que guia, por exemplo, o crescente emocional que dá liga à discografia do Cidadão Instigado. Da sede de aventura de O Ciclo da Dê.Cadência (2002) ao retorno às raízes de Fortaleza (2015), cada trabalho dobra a aposta do anterior em termos de investigação íntima, ao abordar frontalmente temas como solidão, Deus, saudade, memória e permanência.

Fernando Catatau, primeiro disco solo do músico, é a continuação dessa jornada sentimental, mas ao mesmo tempo é o início de outra caminhada. Criado durante a volta do artista à capital cearense depois de mais de 15 anos morando em São Paulo, é um disco de retorno que troca o saudosismo pela excitação de novas descobertas. Energizado pelo encontro com novos parceiros como YMA, Giovani Cidreira e Juliana R., e reconfortado pela companhia dos velhos amigos Dustan Gallas (Cidadão Instigado) e Samuel Fraga (Lamber Vision), o Catatau que dá voz as canções aqui soa mais seguro e mais livre para se movimentar de outra forma. Como assim, jovem? Basta dizer que a guitarra, companheira de sempre, aparece de maneira bem discreta e, à exceção do diálogo com o guitar hero cearense Cristiano Pinho na bela “Raios na Imensidão”, ocupa um papel de coadjuvante pela maior parte do disco. Em vez das seis cordas, synths, bateria eletrônica e saxofone tomam o primeiro plano das canções.

Mas não é o caso de sacar o velho clichê e dizer que o disco é uma “guinada” na carreira de Catatau. Longe de descaracterizar, os novos brinquedos amplificam a voz. E mais: a conectam ao intenso agora. Reprocessando o vasto vocabulário musical cultivado desde tempos de moleque curtidor de rádio nos anos 80, o bicho ataca como quer, seja de pop de AM (“Sinceramente”) ou de swingueira (“Quando o Dia Amanhecer”), sempre de peito aberto e com vontade de fazer diferente e projetar o olhar para além do horizonte. Na tensão entre romantismo e futuro, Catatau encontra novas formas de discurso musical, e de tornar sua fala ainda mais cristalina.

“Nada Acontece”, primeiro single do disco, é a síntese desse fazer do cérebro coração. Rock sintetizado, é ao mesmo tempo um lamento pela imobilidade do presente e um canto de afirmação na possibilidade do futuro. O belíssimo clipe de Isadora Stevani e Juno B traduz perfeitamente o clima, com referências à estética cyberpunk e aos ambientes virtuais abandonados.

Há um sentimento de melancolia que permeia a maioria das canções, mas como bem observa Jonnata Doll no texto de apresentação do álbum, não se trata de um disco triste porque não é alheio à sofrimento do outro – ouvir “A Fraternidade” e “Tempos Sombrios”, urgente. A melancolia de Catatau se estende pela cidade, pela sociedade desigual, pela solidão da multidão, pela impossibilidade do diálogo. É um disco dolorido, mas que não se imobiliza pela dor.

Enquanto a vida imita a canção e a luz do fim de tarde cai pela janela aqui de casa, lembro de um vídeo do show que o Cidadão Instigado fez com Fagner em 2011 em que Catatau apresenta o cantor, uma de suas influências mais declaradas, como “nosso grande emocionador”. É justo que o pupilo agora assuma o lugar do professor. Pois pronto: Fernando Catatau é o emocionador-mor de sua geração.