A sonoridade eletrônica nunca foi minha praia e talvez por isso quando Diego “Hominis Canidae” Albuquerque mandou o primeiro disco do Hanni Palecter, Volume 1, a coisa não bateu. Eis que estou trabalhando ouvindo música e o algoritmo do Spotify me joga nos peitos Rosa Tattooada. Foi demais. Resolvi arriscar o segundo disco do Hanni Palecter, o CRECA, e fluiu. Talvez por uma sonoridade mais próxima do convencional. Seja lá o que isso queira dizer nos dias de hoje.
Fato é que ao ouvir o disco CRECA – ele abre com uma voz dizendo que agora os monstros estarão soltos – deu vontade de bater um papo com o misterioso músico que lançou dois discos e não revela a identidade. O que se sabe é
que ele é de Recife. Confira o papo abaixo com Hanni Palecter e ouça os discos que misturam rap experimental, rock, música eletrônica, lo-fi, noise e pop.
O Inimigo – Ouvi os discos e não entendi nada. (risos). Qual a ideia por trás do primeiro disco e do segundo?
Hanni Palecter – A ideia do primeiro disco era fazer rap baseado em fonemas e não em mensagens diretas e significativas. Esse disco teve uma influência forte de conceitos sugeridos por uma entidade do plano hiperespacial chamada Exu Ciborgue. O segundo disco, CRECA, é o que eu poderia fazer mais próximo da seara do rock que me agrada naquele momento. Tirando os samples de voz em inglês e português, que são compreensíveis, o resto do conteúdo “vocálico” mantem a ausência de significado lógico nas letras como no primeiro disco. Até então venho usando a voz como um instrumento. É possível que em algum momento haja letras com mensagens claras. Não garanto necessariamente no próximo disco. Fique à vontade para perguntar mais. Só me recuso falar sobre minha identidade.
Sobre a identidade a questão seria: é uma forma de analisarem a obra de forma isenta já que quando vem de alguém conhecido já carrega um peso e mesmo que seja uma obra “ruim” podem não avaliar assim exatamente pelo nome do artista em questão?
Sobre a questão da identidade: é simplesmente por questões de antipatia à cultura da celebridade e toda essa gente que se preocupa mais em aparecer do que criar conteúdo, seja bom ou ruim. Pra mim tem sido vantagem não dar as caras também, por enquanto, porque um camarada encapuzado chama mais atenção de curiosos e esquisitos – quem gosta desse tipo de som não é normal do que um cara normal com nome e sobrenome (risos).

Quanto a sonoridade a impressão que fiquei do primeiro foi de colagens musicais e do CRECA, uma construção mais próxima do comum que vemos em torno da música. Entre esses samples que você utilizou tirou trechos de onde?
Esse som também é meu canal de extravasar caos e violência. Isso pode atrair “fãs” caóticos e violentos. Gente caótica e violenta eu não quero por perto, sinceramente. No Volume 1 eu até então não sabia o que queria sonoramente. Houve a “psicografia” das ideias do exú ciborgue que deu uma certa “unidade”. No CRECA essa entidade não foi evocada e eu sabia o que queria em termos de timbres e sensações para os ouvintes. No CRECA eu quero lesionar o ouvido de quem ouve. Os samples são basicamente de Metal e trilha sonora de seriados japoneses dos anos 80 (o Volume 1 é totalmente nessa fonte de samples). Prefiro não mencionar de onde tiro os samples porque não quero meter o selo do Hominis Canidae em confusão. Os samples do CRECA são praticamente todos de grandes gravadoras, que se reconhecessem os samples iriam querer dinheiro, tirar a música do ar ou coisa parecida. Ainda sou pobre para creditar samples de majors. A parte técnica dos 2 EPs são parecidas: samples mais synths virtuais, mais efeitos de guitarra, mais vocalizações (não letras, mensagens, significados, etc…).
O CRECA é a intensificação da “estética do desconforto” trazida no Volume 1. O desconforto está na capa e nos seus ouvidos após alguns minutos de audição em alto volume. No título do primeiro disco eu já dei a dica de como posicionar o knob do volume sem prejudicar sua audição. (risos). CRECA é ferimento e testosterona. O próximo disco posso te dizer que vai ter um tantinho mais de estrógeno, suor e “fedor”.
Que maravilha. Isso apontaria pra que sonoridade?
O “fedor” é uma referência ao sentido literal de Funk. #spandex #keytar #r&b #synthfunk #soulglo. Essas hashtags são o universo do próximo disco. Algo como música de ginástica no modo #hannipalecter.
Você falou em extravasar violência e atrair gente assim. Estamos cercados pela violência. Ela foi fonte de inspiração para criar esse som caótico?
Foi sim. O país está uma desgraça e ainda tem gente defendendo os principais culpados. A raiva dessa situação e dessas pessoas idiotas foi o combustível do CRECA. Os monstros que estão soltos agora são o da intolerância, estupidez, arrogância, incompetência e apatia. Abriram a porta do esgoto e parece que outros monstros ainda surgirão. E esses monstros são todos filhotes do egoísmo.
Pra encerrar. Num futuro há a possibilidade desse projeto ir aos palcos? Inferninhos com gente disposta a ficar muito doida se divertindo?
Claro! Mal vejo a hora de tocar minha guita e me fantasiar de palhaço do inferno. Ah, esqueci de dizer que toco guitarra no CRECA. Nem tudo é sample. A quem interessar, possa: tenho meu próprio P.A pra sair tocando o terror por aí. (risos)
Ouça abaixo CRECA via Youtube.