Sinais do apocalipse: Mogwai e Godspeed You! Black Emperor devolvem vigor ao post-rock

Mogwai pré-isolamento social.

Uma das notícias mais inesperadas para um fã de Mogwai seria saber que um dia a banda estaria no primeiro lugar nas paradas de sucesso britânicas, desbancando nomes como Ariana Grande e Dua Lipa. Isso realmente aconteceu neste início de 2021. O segredo pra isso não foi se tornar pop ou dar uma guinada mais palatável 25 anos após a estreia – pelo contrário, foi abraçar uma identidade ortodoxa que a banda parecia não explorar há 10 anos, ocupada que estava entre discos um tanto irregulares e trilhas sonoras pra séries e filmes (o último disco que não era um compilado para trilha sonora foi Every Country’s Sun, de 2017, mas parecia bem afetado pelas diversas soundtracks em que o grupo vinha trabalhando nos últimos anos).

As The Love Continues, novo do Mogwai: lindão a partir da capa.

 Em As The Loves Continues, o Mogwai se reconectou com o som característico que fizeram a banda moldar o conceito de post-rock junto às próprias composições. Aqui as camadas de riffs contra-melódicos vão sendo empilhadas junto aos detritos de texturas eletrônicas, pianos e cordas criando aquela massa sonora que só pode ser identificada como post-rock. Instrumentos de rock tocados por uma banda formada por uns camaradas com pose de rockeiro mas que estão fazendo algo completamente alheio ao rock de fato, de acordo com a definição do jornalista Simon Reynolds para o estilo. Soando próximo ao já clássico Mr. Beast (2006), faixas como ‘Ceiling Granny’, levadas no riff distorcido de guitarra, dividem espaço com tempestades imensas de seis minutos como ‘Midnight Flit’ ou ‘Fuck Off Money’ (que traz um sabor muito Come On Die Young (1999) pra parada). A clássica faixa cantada pela voz algo AQUÁTICA de Stuart Braithwaite dá as caras aqui em ‘Ritchie Sacramento’, cujo título é uma piada com a pronúncia do nome de Ryuichi Sakamoto, e foi feita em homenagem a David Berman, poeta e compositor que formou as bandas Silver Jews e Purple Mountains, falecido em 2019. A canção partiu de uma história que Bob Nastanovich (ex-Pavement e Silver Jews) contara sobre Berman nos tempos em que estudavam juntos: tratava-se de uma anedota sobre o poeta ter jogado uma pá em um carro esportivo.

Se reconectando com seu legado post-rocker, o Mogwai oferece novamente momentos extremos de contemplação e experiência abismal já no título das faixas, como em ‘To The Bin My Friend, Tonight We Vacate Earth’ ou ‘It’s What I Want To Do, Mum’. Em ‘Supposedly, We Were Nightmares’, o clima espacial é retomado de modo a lembrar os melhores momentos de um Rock Action (2001) novamente.

Apocalipse dentro de casa

Godspeed You! Black Emperor: só o borrão

Talvez o período de exceção em que vivemos se moldou ao apocalipse de Glasgow e as coisas voltaram a fazer sentido. Do mesmo modo que o Mogwai, outra banda formativa do post-rock deu as caras em 2021 com um disco tão impactante quanto seus próprios clássicos dos anos 2000: com G_d’s Pee AT STATE’S END!, o Godspeed You! Black Emperor gesta com cuidado sua música feita para a revolução.

Capa de G_d’s Pee AT STATE’S END! , do GYBE. Coisados como sempre.

As cordas, os samples que crescem junto às avalanches de guitarras e ruídos estão restaurados aqui como se fosse o ano de 2004 novamente. O apocalipse iminente pareceu dar rajadas de vigor no som do GY!BE: a faixa inicial (que pro ouvinte apressado de Spotify foi dividida em três partes com músicas distintas) de 20 minutos parece nascer do mar de angústia e desolação que tomou a vida coletiva no último ano, o que é certamente o cenário ideal para que uma música da banda canadense nasça.

Nunca houve pior e melhor momento até então para que um disco desse grupo viesse à tona: parece que o próprio post-rock enquanto estilo precisava dessa imersão caseira para que voltasse a fazer sentido. Crises existenciais, crises políticas e econômicas dão forma a uma música tão contemplativa e introspectiva. No íntimo, entretanto, o que o Godspeed You! Black Emperor faz soar de modo inédito é uma esperança e um furor que o DADAÍSMO da banda jamais permitiu – agora a forma como o ruído de guitarras e violinos se ampliam nas caixas de som anunciam um mundo pós-apocalíptico que não é feito de trevas, mas sim de pontos esparsos de vitalidade que dão sentido ao mundo. É como diz a contemplativa faixa final: OUR SIDE HAS TO WIN!