Se algum dicionário incluir a definição de “figuraça” é capaz de ter uma foto de Kid Congo Powers ao lado. Ex-guitarrista dos Cramps, de Nick Cave & The Bad Seeds, e do Gun Club, colaborador regular de empenados como Mick Collins (Gories, Dirtbombs) e Bob Bert (Sonic Youth), o cidadão é uma verdadeira autarquia do rock subterrâneo. Desde meados de 2006 à frente da Kid Congo Powers & the Pink Monkey Birds, o bicho apresenta agora o ep Swing from the Sean DeLear, primeiro registro de fôlego desde o álbum La Araña Es La Vida, de 2016. E o cabra voltou com gosto de gás.
São só quatro faixas em pouco mais de vinte e cinco minutos, mas nesse pedacinho de som há mais vigor do que muito álbum duplo por aí.
A primeira metade do disquinho, que corresponde às faixas “Sean DeLear” e “Ready, Freddy?”, é pura demência & fuzz no talo. Um caldo de punk rock, blues e psicodelia arremessado contra as paredes, pra calabrear geral e despertar o ouvinte da letargia.
No “lado B”, outra face se revela. Filho de mexicanos criado em La Puente, cidade da Califórnia com forte presença hispânica, Kid Congo apresenta o lado latino do seu arsenal guitarreiro. Se o triângulo e a percussão que vão se insinuando na divertida “(I Can’t) Afford Your Shitty Dreamhouse” são o primeiro pega, em “He Walked In” o negócio bate.
Sob uma levada pseudo-jazzística, totalmente chapada e garageira, Kid Congo veste sua melhor voz de by night para narrar um encontro com o fantasma do amigo Jeffrey Lee Pierce, com quem fundou o Gun Club em Los Angeles, no início dos anos 80. A coisa vai ficando mais e mais sinistra, com flautinhas e dissonâncias aumentando a tensão sobre a base, que se repete feito um mantra. “Embora já tenha morrido faz tempo/ Você entrou no meu quarto/E na minha mente”, diz a letra.
Perto dos dez minutos, a música vira de bunda canastra e se transforma em uma jam do mais puro groove chicano. Não faria feio em um baile em Belém ou Manaus, como bem observou o compa Hugo Morais. A coisa toda bate nos 14 minutos, mas por mim podia ter mais meia hora tranquilo. Não só é o ponto alto do disco, mas também seu centro emocional. A visita do amigo ausente completa o arco do EP, que pode ser entendido como um grande memorial à cultura underground de Los Angeles, seus sons e texturas – o “Sean DeLear”, que dá nome ao disco e à primeira música era um conhecido pico de rolés da cidade, aliás.
“He Walked In” ganhou um vídeo sensacional e tortaço – é basicamente o bicho caminhando por uma estrada no meio do deserto e dançando. É a cara do disco, e de King Congo Powers. Se o feitiço te pegar, vale a pena explorar a discografia pregressa do cara. Tá tudo por aí, é só ir atrás.