Será que Letieres Leite, famoso maestro e músico baiano (Letieres Leite e Orkestra Rumpillez) ouve/ouviu Cream alguma vez? Será que ele sabe qual a inspiração para o modo de tocar bateria de Ginger Baker? Se Letieres, estudioso da musicalidade africana, procurar saber vai gostar do que ouvir. Por mais incrível que pareça, Ginger, Letieres e Olodum têm um forte ligação.

Ginger Baker é considerado o primeiro grande baterista de rock, influenciando muita gente que veio depois e, dizem, até o surgimento do metal. Ginger é um baterista com formação no Jazz, sem estudo algum. Era um dom que ele possuía e no documentário Beware of Mr. Baker ele diz que nasceu com a noção de tempo, tempo natural, e uma cabeça capaz de conseguir mover braços e pernas de forma independente e ao mesmo tempo, de forma sincrônica.

Do começo ao fim do filme, se percebe que a genialidade de Ginger andava lado a lado com sua excentricidade e arrogância. Tendo a noção de quem era, humilhou muitos que passaram por sua vida. Inclusive o diretor Jay Bulger que foi até sua propriedade na África do Sul entrevistá-lo para o documentário e chegou a ser agredido. Do alto de sua importância Ginger não poupou nem os filhos.

Quando se ouve o Cream ou o Blind Faith não se tem noção de onde vem a inspiração de Ginger, mas chegando a (até então desconhecida por mim) Ginger Baker’s Air Force, a coisa muda de figura. Uma banda que chamaram de Fusion ou World Music dado seu caráter de misturar influências de jazz, rock e música africana. Para Ginger era apenas música.

Ginger começou nos clubes de Jazz e pelas mãos de Phil Seamen. Em uma bela noite, Phil chamou Ginger até seu apartamento e apresentou sua coleção de discos africanos. Ali Ginger viu a batida tribal e levou isso consigo, eis a ligação com Letieres e Olodum citada lá no começo. A paixão pela sonoridade e pelo continente o fez cruzar o Saara de carro e chegar a Lagos onde conheceu Fela Kuti em seu momento mais poderoso, se aliou a ele construindo o primeiro estúdio de 16 canais da Nigéria, gravou com Fela Kuti e Africa 70, e pôs tudo a perder.

Beware of Mr. Baker foi lançado em 2012, e cobriu quase toda a vida de Ginger, já que o músico morreu em 2019 aos 80 anos. O doc conta com depoimentos dos filhos, ex-mulheres, músicos e empresários que mostram o lado pessoal e profissional de Ginger, sem filtros. Estão lá as desavenças, como a com Jack Bruce (baixista do Cream), as drogas, as mudanças sem fim de um país a outro e finalmente a “paz” que ele conseguiu em seu rancho na África do Sul. “Paz” porque ele sempre conseguiu piorar as situações.

Aperte o play e se delicie com um doc, sem filtros, sobre um gênio da música. Mas fica o alerta para seu comportamento execrável. Talvez você termine a viagem com um pouco de ódio no coração.