Falar sobre a Textículos de Mary é incorrer no realismo fantástico. É daquelas bandas que se você contar pra alguém hoje é capaz da pessoa nem acreditar que existiu.
E de fato, a carreira à jato do grupo de punk rock/glam de Recife foi um grande delírio – e dos mais reais. Em pouco mais de cinco anos de atividades, lançaram um punhado de demos, um disco por uma gravadora “grande”, incomodaram muita gente e entraram para a história como a primeira banda abertamente gay do rock brasileiro.
O núcleo da Textículos era o trio de vocalistas Chupeta, Cilene Lapadinha e Lollipop que, acompanhado da Banda D’as Cachorra – Bambi e Kaya Draga (guitarras), Friuílli (teclados), Loira Negra (percussão), Scarlett Cavallera (bateria), entre outras figuras impolutas – tocou e chocou em palcos de barzinhos, boates e festivais independentes com um som entre o “death queen” e o “drag metal”, e visual na linha “travesti mutante”.
Neste vídeo curto, parte da série De Andada, o vocalista Fabio Mafra (vulgo Chupeta) fala sobre a proposta estética da banda e explica o que há por trás da letra de “Serviço de Utilidade Pública”, que lista diversos points de pegação gay do Recife.
Boa parte da saga da Textículos de Mary & A Banda D’As Cachorra foi narrada aqui mesmo neste sítio, em uma matéria assinada pelo compa Hugo Morais. Merece a leitura.
Neste episódio da série Vídeodrome, vamos dar uma olhada na aparição do grupo no programa Musikaos da TV Cultura, exibido em maio de 2001.
Aqui vale até um breve parêntese nostálgico/afetivo, já que foi por esse programa que vi a banda em ação pela primeira vez e me apaixonei de cara. Eu já tinha ouvido falar deles na Bizz, que deu grande destaque ao show da Textículos na cobertura do Abril Pro Rock de 2001. Assisti o vídeo deles no Musikaos mais ou menos na mesma época – meados de 2001 ou, no máximo, 2002. O curioso é que não lembro de ter assistido na televisão, mas no computador, graças ao toque de um vizinho que também era chegado num som empenado. Não existia YouTube na época, o que me leva a crer que o arquivo só pode ter sido baixado num Napster ou AudioGalaxy da vida. Aí abrimos a porta pra outra realidade – quem eram os doidos que buscavam e compartilhavam material da Textículos de Mary na internet do começo do século? Bom, eu era um deles.
Na versão do programa que apareceu no YouTube, provavelmente ripada de uma VHS, dá pra ver e ouvir duas músicas e um pouco da entrevista do apresentador Gastão Moreira com Chupeta.
Após uma entrada em cena triunfal do vocalista, a banda engata logo com a sensacional “Sexta-Feira 13”, que depois reapareceria como “A Vingança de Geyzakelly” na demo Bissexuástica. Na entrevista, Gastão pergunta sobre influências musicais e se a banda já sofreu preconceito na “terra de cabra macho” do Recife. A resposta: “A única vez que sofremos preconceito foi em uma boate gay”.
O vídeo finaliza com Chupeta e sua gangue atacando a já mencionada “Serviço de Utilidade Pública”. São pouco mais de 10 minutos e é difícil ver e não querer mais.
Infelizmente são poucos os registros em vídeo da banda em ação. Tenho uma lembrança meio difusa de que a apresentação do Musikaos incluía ainda “Uma Linda em Berlim”, mas não consegui encontrar o vídeo em canto nenhum. Reza a lenda que o contrato da Textículos com a DeckDisc foi fruto de uma aparição no programa Gordo a Go Go na mesma época, mas aparentemente a internet não guardou rastro algum desse momento.
Antes de acabar, a Textículos de Mary deixou para a posteridade um clipe para o single “Propóstata” que vez ou outra rolava na MTV, em certos horários. Aliás, cheguei a ouvir a música em uma rádio mais descoladinha de Natal, em plena luz do dia. O que deixa tudo muito mais surreal quando se ouve a letra.
Se pra ver não dá, e pra ouvir? Pois bem: Cheque Girls, o primeiro e único disco da Textículos, de onde saiu essa linda canção acima, foi lançado pela DeckDisc em 2002. Está no Spotify e completo no YouTube.
Das demos, a única que sobrou foi Bissexuástica, cujo repertório serviria de base para o segundo álbum da banda, nunca finalizado. Também dá pra ouvir no YouTube e baixar no Hominis Canidae.
Esta é (ou foi) a Textículos de Mary. Permita-se.