Clássico é clássico e vice-versa, já dizia o poeta Jardel. E O Encouraçado Potemkin, obra-prima do cineasta russo Sergei Eisenstein, é desses filmes que teimam em resistir ao tempo e se mantém tão inovador e instigante quanto à época de seu lançamento original, em 1925.

Nesses quase cem anos de existência, o filme teve sua trilha sonora reimaginada diversas vezes, e a releitura mais recente é a do trio instrumental ATR, de São Carlos (SP), que viabilizou o projeto ATR sonoriza o filme O Encouraçado Potemkin na Lei Aldir Blanc.

Comemorando treze anos de estrada em 2021, a banda tem uma relação de longa data com a obra de Eisenstein e já fez apresentações sonorizando o filme ao vivo em palcos como Sesc Jundiaí (São Paulo), MIS (Florianópolis/SC), Sesc Araraquara (São Paulo), Vila Container (Belém/PA), Sesc Santo Amaro (São Paulo) e Camaleão Cultural (Curitiba/PR). 

Para este projeto, a proposta foi gravar, finalizar e distribuir a trilha completa. Em uma sessão online disponível no YouTube, com duração de uma hora e doze minutos, o público pode entrar em contato com uma atmosfera imersiva, permeada pela música eletrônica, com elementos da synthwave, samplers e camadas que trazem à tona a tensão da revolta popular diante da repressão na Revolução Russa em 1905, na qual Sergei Eisenstein mostra como a luta por justiça social perpassa a história da nossa civilização, sendo um tema ainda tão atual. 

As 14 faixas da trilha sonora também foram lançadas em formato de álbum, nas principais plataformas digitais com o título Battleship Potemkin – Alternative Motion Picture Soundtrack.

Confira a seguir a entrevista feita por e-mail com a banda, sobre a criação da trilha, a relação com o cinema e planos futuros.

A relação de vocês com o cinema é antiga, e inclusive deu origem ao projeto Aparelho Diegético. Podem contar um pouco mais desse projeto?

O Aparelho Diegético surgiu em 2010 e nossa primeira experiência foi executando a apresentação Regen Remix, realizada em parceria com Vj OCari e Jovem Palerosi, ambos colegas de curso que trabalhavam com vídeo e música. A narrativa era desenvolvida em cima do filme Regen (Joris Ivens – Holanda 1929) com fusões de Limite (Mário Peixoto – Brasil,1931), Metrópolis (Fritz Lang – Alemanha,1927) e Câmera-Olho (Dziga Vertov – URSS,1929), buscando uma fruição sensorial em uma sessão ao vivo. Fizemos shows em alguns cineclubes e também na própria UFSCAR.

Depois, em 2014, propusemos uma nova experiência com o projeto Laguna Sampler, com a Vj Ya B.Dealer, também colega da graduação, em uma trilha sonora e visual executadas ao vivo, chamando atenção aos índices do caos planetário, ao contexto das indignações brasileiras e mundiais e as livres manifestações do momento que reivindicam a construção de um novo mundo com participação social. O material de imagens não era focado em nenhum filme, mas em imagens da natureza e jornalísticas com efeitos, sobreposições e animações. Este show foi apresentado na programação do Festival CONTATO em São Carlos.

Como o cinema e as expressões audiovisuais influenciam o trabalho de vocês?

Acreditamos que toda experiência artística nos influencia. Seja um filme, uma série, uma peça de teatro, um quadro, um edifício. Estamos sempre abertos a trazer novas influências pra nossa esfera de banda e também pra experimentar novas formas de composição, como são esses casos com o audiovisual. Seria massa pensar um disco pra ser executado com uma peça de teatro, ou tendo imagens fixas que sejam inspirações pra músicas. Mil possibilidades que estamos abertos a vivenciar e nos influenciar.

Falando especificamente agora da trilha para O Encouraçado Potemkin, por que a escolha desse filme em particular?

O primeiro motivo foi porque estudamos este filme no curso de Imagem e Som como um marco bastante importante do cinema mundial. E também por ser um filme já em domínio público. Outro ponto que nos motivou foi saber que Eisenstein, diretor do filme,  considerava a parte musical de sua obra muito importante, tanto que deixou instruções para que a trilha sonora fosse renovada a cada 20 anos. Desde seu lançamento, o filme já teve versões com a trilha feita por Edmund Meisel (original), Nikolai Kryukov, Pet Shop Boys, Eric Allaman, Club Foot Orchestra, Michael Nyman Band, entre outros. Quisemos então contribuir com a nossa trilha e reforçar a importância do filme para nossa história.

Como vocês veem a evolução desse trabalho desde as primeiras apresentações até este registro em vídeo e disco? Vocês notam alguma mudança, algum “desvio” nas composições ao longo desse percurso?

Nada que seja uma mudança significativa. Mais os arranjos e a mixagem num geral. O processo de criação foi basicamente uma re-decupagem do filme, entendendo minutagens, pontos de virada, climas e intenções de cada cena, e isso foi o disparador para começarmos a criar as músicas. Ou seja, nós já tínhamos, além das imagens, algumas tags que nos levavam a começar a composição. Tensão, tranquilidade, ação, tristeza, superação, loucura são algumas palavras que usamos para traduzir essas intenções imagéticas.

Houve alguma cena ou aspecto geral do filme que foi mais desafiador na hora de criar a trilha?

A cena da escada acho que foi a mais desafiadora por ser uma cena muito conhecida na história do cinema. Tanto por sua dificuldade em ser filmada como por sua edição e quantidade de atores e figurantes. Além de ser a cena mais “pesada” psicologicamente dentro do filme, com um clima de tensão, terror e opressão violenta.

Quais os próximos planos da ATR?

Planejamos agora lançar um disco de remixes do álbum “Mundi”.  Este trabalho foi nosso primeiro lançamento com participações vocais, conta com Luedji Luna, Donatinho, Carolina Camacho (República Dominicana) , Michu (Argentina), Voz Sambou (Haiti/Canadá) e Billy Pilgrim (EUA) e teve patrocínio do Natura Musical. Adoramos o resultado e queríamos aproveitar ainda mais as músicas, por isso chamaremos Djs para fazerem novas versões de algumas das faixas.

*Assista a seguir a versão de O Encouraçado Potemkin com trilha sonora da ATR:

Ficha técnica:

Composição: Eduardo Porto, Juliano Parreira e Gustavo Koshikumo 

Produção musical, mixagem e masterização: Deep Leaks 

Produção Executiva: Let’s GIG