Half Japanese é o delírio dissonante dos irmãos David e Jad Fair, dois alucinados por Beatles, rockabilly, punk rock e filmes de monstros. Isso pra ficar numa definição bem rasteira e direta, claro. Ouvir o som da banda é tudo menos uma experiência de fácil descrição. Apesar disso – ou talvez por isso mesmo – os bichos são seguramente uma das bandas mais influentes a sair do underground americano nos anos 80 e 90.

Na ativa desde 1975, o Half Japanese já lançou 19 álbuns de estúdio, fora incontáveis cassetes, EPs e singles em 7″. A abordagem varia bastante de um disco pro outro, mas em geral eles põem em prática o que aprenderam escutando Velvet Underdround: a prioridade são as ideias, não a técnica. Em linguagem clara, isso quer dizer que afinação perfeita, gravação de boa qualidade em estúdios caros e vocais bonitinhos estão longe de ser prioridade. Aliás, não por acaso, Moe Tucker do Velvet tocou em uma das inúmeras formações da banda.

No vídeo abaixo, um mini-doc produzido pelo selo Joyful Noise por ocasião do lançamento do disco Overjoyed, Tucker e outros entrevistados de luxo, como Peter Buck (REM), Lee Ranaldo (Sonic Youth) e Norman Blake (Teenage Fanclub), falam um pouco sobre a banda e tentam definir o som “alienígena” dos irmãos Fair.

Bateu a curiosidade? O disco mais recente do Half Japanese é Crazy Hearts, de 2020, mas quem quiser começar de leve pode ir atrás da coletânea dupla Greatest Hits, que reúne só o fino da produção da banda até 1995. Quem sobreviver e daí quiser passar para álbuns específicos, a recomendação são os ótimos Charmed Life (1988) e Bone Head (1997). Como prova de fogo (e se você chegou até aqui, deve ter coragem e curiosidade o bastante pra encarar), vale a pena ouvir o primeirão, 1/2 Gentlemen / Not Beasts (1980), pelo menos uma vez na vida. Gostando ou não, é certo que ninguém sai a mesma pessoa depois de passar por esse disco. Só ouvindo pra crer.

Muito bem: depois desse nariz de cera obsceno, chegamos à indicação do Vídeodrome desta semana, o incrível (e inacreditável) Live in Hell. Filmado em VHS fuleiro em 1985, o vídeo flagra a formação do disco Charmed Life, que além dos irmãos Fair, incluía o guitarrista Don Fleming (também das bandas Gumball e Velvet Monkeys), o baixista Mark Jickling, o batera Jay Spiegel e o saxofonista John Dreyfuss.

São 15 minutos presepada, fuzz topado, chroma key de fogo infernal e dançarinas vestidas de esqueletos. Musicalmente, lembra uma versão empenada dos Stooges da fase Fun House com um desenho animado na vaga de Iggy Pop. No repertório, “clássicos” do cancioneiro Half Japanese, como “Firecracker”, “The Thing With a Hook” e “Vietnam”, e um cover aloprado de “You’re Gonna Miss Me”, dos 13th Floor Elevators.

É um negócio tão tosco e sincero que chega a ser lindo. Curta essa lombra sem moderação.