Vídeodrome: Sheik Tosado ao vivo no Rock In Rio

Raramente o terceiro capítulo de uma trilogia é o melhor, mas no caso do Rock in Rio há argumentos de sobra pra contrariar essa regra. Puxem aí pela memória: a terceira edição do festival, acontecida no distante e caótico 2001, foi aquela que trouxe Queens of the Stone Age ainda na condição de promessa, Neil Young & Crazy Horse em excelentíssima forma, Foo Fighters quando ainda prestava, R.E.M. em puro esplendor, Sepultura no início da turnê do Nation, entre outras atrações.

(E sim, sabemos que a franquia Rock in Rio já teve mais de 20 edições contando as que rolaram em Lisboa, Madrid e Las Vegas, mas francamente não estamos nem aí.)

E mais: além da curadoria de medalhões, houve na edição 2001 um esforço genuíno do festival para dar espaço a alguns dos nomes novos da música brasileira de então, como Pavilhão 9, Los Hermanos e Rumbora. E foi nessas que a Sheik Tosado acabou tocando no palco Mundo, o principal do festival, em plena luz do dia.

Capa do álbum Som de Caráter Urbano e De Salão (1999)

Liderada pelos irmãos China e Bruno Ximarú, a Sheik havia lançado dois anos antes seu primeiro e único álbum, Som de Caráter Urbano e de Salão. Até hoje inexplicavelmente ausente dos streamings da vida, o disco foi recebido à época como um sopro de vitalidade numa cena ainda em luto pela perda de Chico Science. Mais de vinte anos depois, o hardcore com pandeiro e repente da banda ainda impressiona — pela inteligência rítmica, pela maturidade, pelas letras ainda atuais. Para dar uma ideia de quanto valia o passe dos bichos na época, a Nação Zumbi também tocou no festival, mas em um dos palcos menores.

Foi com o repertório do Som de Caráter… que a Sheik Tosado abriu a programação do palco Mundo da sexta-feira 19 de janeiro, mesmo dia em que tocariam Rob Halford, Iron Maiden e Sepultura. A saraivada de garrafinhas de água mineral em Carlinhos Brown, o momento mais infame e talvez mais lembrado daquela edição, tinha rolado há menos de uma semana. Daí se mede a coragem da banda de entrar no palco trazendo alfaias e com China vestido de lanceiro de maracatu.

O set todo, que está disponível no YouTube numa versão ripada da transmissão da DirectTV — mais nostálgico impossível — é sensacional. Em pouco mais de meia hora, eis o retrato de uma banda jovem, confiante e de um atrevimento invejável. O som do vídeo não está nenhuma joia, mas topando o volume da tevê ou usando um bom fone de ouvido, dá pra curtir de boas.

A Sheik Tosado se separaria naquele mesmo ano, pouco antes de iniciar o processo de pré-produção do segundo disco. Como o próprio China comentou anos mais tarde, em uma entrevista ao radialista Cesar Gavin na qual também lembra a passagem pelo Rock in Rio, o fim da banda acabou sendo bom pra todos os integrantes. Bruno Ximarú se afastou da música e seguiu carreira acadêmica como historiador; o percussionista Gustavo da Lua foi tocar na Nação Zumbi e o baixista Hugo Carranca, com Otto; e o baterista Chicão virou tatuador e eventualmente toca com outros artistas.

E China, além de se estabelecer como compositor e artista solo, ainda ajudaria a escrever o próximo capítulo da cena independente pernambucana ao assinar em parceria com Felipe S cinco faixas de Nadadenovo, disco de estreia do Mombojó lançado três anos depois do Rock in Rio III.

Mas aí, é história pra outro dia.