Quando se fala em bandas antifascistas, feministas, anti-rascismo, bandas engajadas, militantes, associo sempre ao rock. Com pegada mais punk e hardcore. Eis que a Clandestinas, de Jundiaí (SP), mantém a postura política, mas vai em outra direção em termos de som. Não bastasse destoar fugindo da sonoridade mais pesada, o trio ainda traz outras influências que vão do pós-punk ao forró.
O álbum Clandestinas, lançado em maio, é uma aula do que as mulheres e minorias sofrem no dia a dia. No momento que escrevo isso, as redes sociais estão inundadas de mensagens contra e a favor do aborto a que uma criança de 10 anos foi submetida. Uma gestação que é consequência de um estupro. Tem quem defenda a gestação.
“Manifesto”, penúltima música do disco talvez fosse uma boa definição para a própria obra. “Clandestinas”, que abre o álbum, tem uma sonoridade que começa de forma delicada e ganha força. Mas sem nunca chegar a algo agressivo. O que vale aqui, e em todo o disco, é o discurso, a letra.
Por todo o disco estão lá os olhares, as piadas, a violência. Mas também está o amor e o sexo, como em “Velcro” que fala abertamente da sexualidade entre mulheres e que quando isso acontece não há quem pare. E também fala da necessidade da união em “Manifesto”, e de seguir em frente sempre em “O Risco”.
A seguir, confira um papo com Alline Lola (guitarra & voz) Camila Godoi (contrabaixo & voz) Natalia Benite (bateria & voz).
Ouça o disco no Bandcamp:
O Inimigo — Como se deu a formação da banda?
Clandestinas — Somos de Jundiaí, nós já éramos militantes feminista e lgbt. E militávamos juntas. Daí sentimos a necessidade de nos fazermos ouvidas, por um público mais amplo, através da música. E, também, tínhamos o desejo de nos expressar, de modo artístico, através da música. Começamos, juntas, todas mais velhas, a aprender, em 2017, a tocar nossos instrumentos, aprender a cantar, aprender a fazer arranjos. Lola e Natalia, na faixa dos trinta anos e camila já com 45 anos quando começaram a aprender a tocar. O álbum que lançamos é fruto de três anos desse aprendizado.
Como vocês estão inseridas no cenário musical de Jundiaí e região? Estavam tocando antes da pandemia, tinham shows agendados do lançamento do disco?
A nossa inserção, em Jundiaí, Campinas e São Paulo, dá-se, principalmente, em espaços de militância feminista e lgbt e em espaços pedagógicos. Nós fizemos 109 shows em três anos de banda onde 99% deles em escolas, universidades e espaços de militância. Muitas vezes, no pátio de uma escola, de um instituto federal ou mesmo dentro de uma sala de aula. A gente faz uma roda de conversa sobre feminismo e depois toca. Mas também fizemos shows pra centenas de pessoas, como o nosso último, no SESC. Ou pra milhares de pessoas como em paradas lgbt’s (Jundiaí e Piracicaba) e em encerramentos de caminhadas de lésbicas e bissexuais, em São Paulo. A gente lançou o álbum em maio, era para estarmos em turnê de lançamento. Infelizmente não vai rolar.
Vocês participaram de uma live recentemente do Nada Pop. Como foi a experiência e pretendem fazer algo do tipo por conta própria?
Foi muito fortalecedor este reencontro, mesmo que virtual, com tantas pessoas que acolhem o nosso trabalho. Foi um show para celebrar a visibilidade lésbica e ficamos muito felizes com a qualidade do som transmitido. Nós fomos convidadas, ontem mesmo, pela Anistia Internacional, para fazer um show semelhante, no final de agosto. Estamos, no momento, tentando conciliar as agendas. Nós fizemos um show, em junho, para a Anistia Internacional no Dia Internacional do Orgulho LGBT e foi um sucesso. Daí, a Anistia deseja que a gente se apresente novamente. Agora em função de agosto ser o Mês da Visibilidade Lésbica. Estamos torcendo para que seja possível este segundo show para a Anistia. Vamos torcer para conciliarmos as nossas agendas.
Por último: a maioria das bandas femininas e feministas tem uma sonoridade punk/hardcore. O som de vocês passa mais por uma pegada mais pop, pós-punk e também tem punk. Isso é fruto do que vocês escutam? Como chegaram a essa sonoridade?
Há uma diversidade melódica e rítmica em nossas canções e isto é fruto de cada uma de nós carregarmos repertórios, como ouvintes, bastante diferentes e pelo fato de, raramente, ouvirmos músicas juntas. Como referência comum, que todas gostam, podemos citar As Mercenárias, Luana Hansen, Mulamba. Mas, em geral, cada uma de nós, individualmente, ouve coisas distintas uma da outra. Quando nos encontramos para criar uma nova canção, esses diferentes repertórios e referências se entrecruzam de uma forma muito bonita. E, se por um lado, é triste não estarmos fazendo a turnê de lançamento que desejávamos, por outro lado estamos livres do repertório do álbum e não estamos ensaiando para um espetáculo “perfeito”. Estamos numa nova fase de experimentações rítmicas e melódicas que vão trazer uma sonoridade nova para o segundo álbum. Já tínhamos algumas canções que já foram tocadas em muitos shows e que ficaram de fora do primeiro álbum por serem mais “experimentais”. Com a quarentena estamos aproveitando para experimentarmos mais ainda os nossos instrumentos.