Como boa parte das bandas, O Estrangeiro teve início ainda no ensino médio através de amigos com gostos em comum e a inquietação típica da idade. O gosto pela leitura (o nome da banda e do disco tem influência da obra de Albert Camus) e escrita já existia e montar uma banda para expor foi natural. Na cidade de Lins, interior de São Paulo, o começo se deu com Nathã Henrique e Hugo Manoel. Ambos compõem, cantam e tocam guitarra. Completam a banda Rodrigo Cesar Tadei (baixo, teclado, voz) e Gardy Erikson (bateria).
Batemos um papo com Nathã sobre o início, as composições, influências e ser músico independente no atual momento do Brasil.
O Inimigo — Me fala sobre o começo da banda.
Eu (Nathã) tava no primeiro ano do ensino médio, aqui em Lins (SP), nossa cidade, e sempre me interessei pelas questões da existência e mais tarde, me senti mobilizado a escrever, expressar essas inquietudes existenciais… Então surgiu a busca por alguma linguagem artística que eu pudesse chamar de minha. Nesse mesmo primeiro ano do ensino médio (ano de 2011) eu conheci o Hugo e nos tornamos imediatamente grandes amigos e eu falei que tinha coisas escritas e ele também escrevia e aí essa semente começou a tomar forma, se transformar em raiz. Um dia falei da ideia de formar uma banda e ele topou na hora. Então surgiu o nome da banda, O Estrangeiro. O interessante é que não sabíamos tocar uma lá bemol, então fomos atrás de aprender. Eu aprendi uns acordes no violão e ele aprendeu viola no conservatório daqui. O professor desse conservatório era o Rodrigo, nosso guitarrista. Ficamos namorando ele pra ele ser parte da banda, demorou, mas conseguimos. Isso era 2014/15. O Rodrigo comprou o que era necessário pra gravar o disco no quarto dele, numa cidade ao lado. Gravamos. Foi um aprendizado muito grande, nunca tínhamos pisado num palco e estávamos lidando com microfones, metrônomos, repetir a mesma música inúmeras vezes… Mas foi uma grande experiência, que dá saudade. Fomos soltando alguns singles no YouTube, ensaiando, até chegar ao EP que hoje está no Spotify. Acho que esse é um dos resumos possíveis pra esse nosso começo. Começo esse que parece que está conosco até hoje já que não tivemos a oportunidade ainda de tocar ao vivo esse EP lançado.
Você falou do existencial. Tem muito disso no EP, mas com conexão com a realidade de todos. Coletividade. Como você lida com isso? Parte do pessoal pro plural ou já pensa no senso comum?
Sim, verdade. Eu acredito que tudo que é pessoal aponta de alguma maneira ou de outra praquilo que é universal. Quando eu escrevo uma canção eu falo de questões demasiadamente humanas, por isso as pessoas se identificam, por isso as tocam de maneira verdadeira pois todo mundo sente dor, sofre… Não é possível sentir a dor do outro, mas quando eu escrevo sobre a minha dor, toca na dor do outro, pois existe algo ali que nos assemelha como humanos. O Graciliano Ramos falava que podia falar do rio que corre na aldeia dele e assim falar do mundo. O Nelson Rodrigues falava que o homem universal é o homem da minha rua. As minhas experiências são minhas, mas a dor, o sofrimento, a melancolia são experiências humanas, acredito que esse é o plural para o que o meu singular aponta.
Como foi o processo de gravação do disco? Ele é bem lo-fi. Foi tudo gravado e produzido por vocês?
Foi, sim, gravamos tudo no quarto de um dos integrantes, mesmo sem ter muita (ou nenhuma) noção deste universo de gravação e produção. Antes de começarmos a gravar fizemos uma espécie de pré-produção onde tocamos as músicas pra sentir como elas se comportavam num formato de banda, já que eram composições solitárias, de violão e voz. Tendo definido, bem basicamente, algumas questões de arranjos e texturas partimos para o processo de gravação, tudo bem lentamente, visto que só podíamos nos reunir aos sábados. O processo foi bem lento, mas hoje vemos que foi melhor assim, acabamos ganhando maturidade no processo, erramos e acertamos em muitas coisas e o resultado é esse que se pode ouvir; canções que têm uma certa ingenuidade se pensar nas grandes produções, mas que também possuem um força muito grande e parecem, sim, querer comunicar algo, portanto vimos que era necessário realizar a mixagem e masterização pra lançá-las ao mundo e novamente nos embrenhamos em um campo desconhecido, o da produção. No fim das contas o disco tem essa estética predominantemente lo-fi. Nos identificamos com este nicho e tudo o mais, porém essa maneira específica de soar do EP tem mais à ver com a falta de opção e limitação de equipamentos e até mesmo de conhecimento técnico, mas são os osso do ofício de um artista independente nesse Universo de “Do It Yourself”, mas, em resumo, gostamos do resultado final e os próximos lançamentos terão refletidos em si tudo o que aprendemos e crescemos. Espero que possamos atingir muitas pessoas com esse trabalho.
Qual a história por trás do título do EP?
Então, a banda tem uma história muito íntima com o escritor franco-argelino, Albert Camus, o nome O Estrangeiro é também o título de um dos livros desse autor. Estado Sítio também compões a obra de Camus e tinha muito à ver com o que as músicas do EP representavam; passando essa ideia de algo caótico, urgente e fora de ordem, o que tem muito à ver com o conteúdo das letras, que apontam para um eu lírico bem atormentado. Essa é a primeira parte que compõe o sentido total do EP, a outra metade fica a cargo do complementar “São Francisco”; o nome do sítio onde nos reuníamos muitas vezes para pensar sobre as questões que envolviam nossas vidas, angústia e crises existenciais que emergem nas canções. Então, mais uma vez, temos o plural e o singular lado a lado, Estado de Sítio que é um termo mundial e o sítio propriamente dito, que é algo bem mais restrito que tem um sentido imagético muito profundo para nós da banda.
Por falar em imagético, apesar do conteúdo pessoal/introspectivo, também tem um lado político, mesmo que subentendido. Como vocês, que lançaram esse disco de estreia em meio a essa pandemia e em meio a um caos político, veem o futuro de vocês como banda/cidadãos? Quais os passos a seguir?
Bom, acho que a mensagem política não está propriamente nas letras, mas na nossa trajetória de se impôr enquanto cidadãos e artistas e fazer acontecer esse sonho e esse desejo de cantar e contar nossa experiências enquanto indivíduos. Então acreditamos que a banda tenha uma mensagem humanista acima de tudo. Tomamos partido do que humano, da cultura e tudo o que esteja atrelado aos fenômenos existenciais. Em tempos caóticos em que tudo parece ameaçado, acreditamos que fazer arte, produzir cultura, em meio a tantas adversidades, já é um ato revolucionário.
Quanto ao futuro da banda, é bem incerto, assim como tudo neste momento. Mas esperamos que possamos oferecer às pessoas algo de bom. Fato é que nunca iremos parar de compôr e fazer música sob hipótese alguma, seja por imposição financeira ou política. É algo que nos move e transcende todo o tipo de questão terrena. Fazer música, para nós é uma forma genuína de se expressar, quase como que respirar.