Longe da Alemanha nazista, um sistema muito parecido com os campos de concentração para judeus existiu no Ceará. Se nos dias de hoje é possível ver em qualquer rede social milhares de refugiados chegando a Europa de barco em busca de melhores condições de vida, na década de 1930 o transporte era ferroviário. Linhas de trem que cortavam o estado do Ceará tinham como ponto de chegada locais fechados para receber quem fugia da seca no interior do estado. A ação era para evitar que os flagelados, como eram chamados, chegassem a Fortaleza. Na época a imprensa da capital usava os jornais impressos para aterrorizar a população. Os mais ricos em especial.
Não é novidade hoje e nunca foi. Desde a época do “descobrimento” do Brasil esse tipo de aprisionamento coletivo existe. Foi assim com os aldeamentos de povos indígenas para doutrinação e conversão ao catolicismo e na seca de 1845 com uma experiência voltada para os retirantes famintos feita por um frade capuchinho que foi chamada de abarracamento. São experiências precursoras desta política. Os campos foram criados com medo que o grande deslocamento do interior para a capital em 1877 se repetisse. Um dos argumentos usados quase 100 anos atrás segue vivo até hoje: raças superiores e inferiores, sub-raças, grupos sociais que já nasciam para viver como subalternos. Então os campos eram uma solução “correta”.

Os campos de concentração uniam a necessidade do crescimento urbano com a falta de mão-de-obra. Quem vinha do interior supria essa necessidade, sendo colocados para trabalhar em obras públicas tendo em troca moradia, alimentação e acesso à saúde. O resultado disso foi uma estrutura precária levando a morte de milhares.
Uma boa fonte é o livro Isolamento e Poder – Fortaleza e os campos de concentração na Seca de 1932, da historiadora Kênia Rios.
A Paradoxo, banda de Limoeiro do Norte (CE) usou o thrash/crossover como forma de trazer de volta essa triste história do estado. O disco 1932 é conceitual em torno do tema dos campos de concentração com 10 músicas, em uma sonoridade rápida e pesada. “Era comum a gente crescer ouvindo de algum parente mais velho como os períodos de seca ou de enchentes costumavam castigar nossa região. Na escola, alguns professores chegavam a comentar sobre esse problema recorrente das secas e davam algum outro relato sobre a existência de locais que foram usados para abrigar famílias que trabalharam na construção de barragens. Rachel de Queiroz também faz uma descrição desses problemas em seu livro O Quinze, onde aponta diversos problemas causados pela seca e êxodo de famílias do interior do estado em busca de melhores condições na capital”, relata Augusto Pitombeira, vocalista da banda.

A Paradoxo existe há mais de 10 anos e tem outros trabalhos lançados, a demo Valor da Salvação (2013) e Sociedade (2018). A banda já passou por várias formações e atualmente conta com Nalber Silva (guitarra), Marcelo Victor (bateria), Reuber Tadeu (baixo/voz) e Augusto Pitombeira. Gugu, como é conhecido Augusto Pitombeira, foi o último a entrar quando voltou a morar na cidade de Limoeiro do Norte. Já conhecia os integrantes e chegaram a tocar juntos em outra banda. Convidado a assumir os vocais, chegou com a produção do disco em andamento para ajudar na finalização.
As dez músicas abordam os campos de concentração e o controle exercido sobre os flagelados por meio da fome, doenças, religiosidade e repressão por parte da segurança armado do governo presente nos campos. Quase cem anos depois, ainda vemos no noticiário trabalhadores sendo resgatados de trabalhos análogos a escravidão e estruturas dentro das cidades que se não são campos de concentração, são excludentes a sociedade.






Deixe um comentário