Por Diego “Hominis” Albuquerque

Cipó Fogo surgiu pelo inconformismo com a escalada de casos de racismo no país, violência de gênero, homofobia, transfobia e do advento do fascismo tropical digital. Três amigos de longa data se reuniram para expressar sua indignação através de uma música brutal, diante da brutalidade de um mundo que parece girar para trás.

Musicalmente a banda tem influências diversas de artistas de gêneros como  hardcore punk, thrash metal e crossover/thrash, grindcore, death metal, doom, stoner rock, entre outros. As referências de composição são das mais variadas, vão da ficção, seja literatura ou audiovisual, do noticiário ou mesmo da ciência.

Em 2024, após cinco lançamentos, o guitarrista Aldo Jones se desligou do projeto e o Cipó Fogo passou a ser um duo formado por Marcelo Cabral (voz e letras) e André Corradi (instrumental). Com uma carreira extensa em Alagoas, fez parte de bandas como MC+20 e Coisa Linda Sound System, para citar apenas duas. André é músico, compositor e produtor de São Paulo. Tocou baixo em bandas como O Surto, Oito, Trap, entre outros projetos, com shows ao vivo Brasil afora. Além disso, Corradi é luthier e construiu todos os instrumentos usados nas gravações do duo.

Com essa nova formação eles lançaram esse ano Born Enslaved, um EP de 5 faixas. Talvez o mais brutal, cru e direto. As 5 faixas versam, em inglês, espanhol e português, sobre os tempos abstratos e absurdos no qual estamos vivendo. Para além do som, composto, gravado, mixado e masterizado pelo duo, o trabalho ficou ainda mais DIY quando Marcelo resolveu fazer as artes dos sons e da capa do EP. Além disso, ele criou vídeos curtos para as redes com as letras, sozinho e com parceiros como Felipe Vazquez, que já fez remixes de sons da banda e do diretor de cinema e editor Luiz Gomes. Sempre no intuito de passar a mensagem da melhor maneira possível.

Resolvi bater um papo com o Marcelo e te convido pra ler enquanto escuta o EP do duo no seu streaming preferido clicando aqui ou ao fim da entrevista.

Capa do EP Born Enslaved da Cipó Fogo.

O Inimigo – Os dois integrantes do Cipó Fogo tem muita vivência musical. Porque recomeçar de novo e existe algo de novo no Cipó que vocês nunca tinham feito?

Marcelo Cabral – Apesar de que eu tenho muita referência de música pesada, e o hardcore punk ter sido uma das minhas principais escolas, em outros projetos como o Mental, MC+20 e até mesmo o Otari, nunca antes fiz uma música tão extrema como no Cipó Fogo. São ciclos criativos, assim recomeçar é todo dia, em todos os aspectos. Musicalmente, pra mim, me parece meio sem sentido fazer sempre a mesma coisa. Tudo muda e o tipo de música que eu crio vai estar conectado com cada momento e cada projeto em que eu estiver envolvido. Isso proporciona uma imensa liberdade criativa. Também concordo com dona Nina Simone quando ela diz que o artista tem o dever de retratar seu tempo e lugar, e vivemos tempos bem loucos.

“Born Enslaved” é o sexto lançamento, primeiro no novo formato da banda em duo. Além da formação, o que esse trabalho tem de diferente dos anteriores?!

Tudo. Acreditamos que é nosso trabalho mais maduro até agora. E como todo novo lançamento, tentamos explorar novas formas de compor, de soar, de gravar. É um EP bem bruto, direto ao ponto, cru, e de um certo pessimismo baseado em fatos. Acho que são as principais características que diferenciam este trabalho.

Como vocês descreveriam o estilo da música que criam como um duo atualmente?

Música indignada. É o termo mais preciso no que diz respeito ao conteúdo,  as letras. Musicalmente não temos apego a nenhum gênero ou subgênero, nem qualquer interesse na verdade em definir isso. É pesado, as vezes pesado e rápido, as vezes pesado, rápido, sujo e com raiva. Sei lá. Que as pessoas que escutem chamem como quiserem. Uma pena não termos uma explicação melhor, por outro lado isso não engessa nossa criatividade dentro de um estilo determinante.

Existe uma clara mensagem política e social nas letras das músicas, mas existe esperança também?

Há sim! Sempre existe esperança. E luta também. São ciclos históricos. E talvez um grande erro foi pensar que a história acabou, que não teríamos que nos preocupar mais em lidar com fundamentalistas religiosos e extremistas no poder, que a democracia estava estabelecida e toca o barco. Surpresa!

Então, diferente de lançamentos anteriores, o conceito e atmosfera deste novo EP, Born Enslaved, pode soar algo pessimista, de uma certa sensação de impotência angustiante diante dos horrores, mas se trata também de reconhecer esse momento, que a coisa está complicada. Até para processar e superar este momento, essa encruzilhada histórica que vivemos no Brasil e no mundo hoje.

Como a situação política atual do Brasil influencia no processo criativo de vocês? As vezes bate uma bad?

Influencia diretamente, é muito sobre isso, mas sobre temas internacionais também, e que afetam a todos nós em escala planetária. Não bate uma bad, muito pelo contrário. Se a gente não tivesse esse canal de expressão que é a música, esse grito fica na garganta, e daí sim pode bater uma bad. Se alienar não é uma opção.

Como é o processo de composição entre vocês dois? Existe uma divisão clara de tarefas, mas também é um processo colaborativo?

Totalmente colaborativo. Eu e Corradi temos uma conexão criativa muito forte e gostamos muito do que fazemos, nos divertimos bastante explorando o som do Cipó Fogo e trabalhamos quase todos os dias, trocando ideia de som, criando, produzindo.

Como vocês veem o papel da música pesada no contexto atual da cultura e da política brasileira?! Ainda existe um papel?!

Somos de um país continental onde dois dos maiores expoentes da música extrema, duas instituições reconhecidas em todo o planeta, Sepultura e R.D.P., tratam de temas políticos, para partir de um exemplo. É um nicho musical e comportamental, uma cena cultural, dentro da música brasileira e sul-americana, e portanto, espaço para disputa de narrativas. Estamos ocupando um espaço.

Quais as referências enquanto duo para o novo momento da banda? Porque vocês meio que fazem barulho igual às bandas com vários integrantes como duo.

É que nos dividimos na execução dos instrumentos, em estúdio. Agora, como um duo, toda a parte instrumental com o Corradi. Ao vivo, precisamos de outros músicos para executar isso conosco, ou explorar outros recursos. São muitas possibilidades.

Vocês moram em países diferentes. Existe pretensão de um dia levar o Cipó Fogo pro palco? Ou a ideia é apenas produzir online.

Existe forte a ideia do Cipó Fogo ao vivo, comigo, Corradi e outros músicos, mas sem dúvida a distância é um desafio logístico. Por outro lado, temos duas bases para tocar por cidades e regiões interessantes, sudeste (SP) e Rio da Prata. Estamos abertos a essa possibilidade, e enquanto isso, seguimos criando, produzindo e lançando nossa música, até para construir esse material a ser apresentado ao vivo.

Recentemente participei do festival Nunca Más Uruguay, em Montevidéu, contra o esquecimento e negação do período de ditadura no país e na América do Sul, como convidado da grande banda uruguaia Feta Gruesa, com quem faremos nova participação em outro show mês que vem. Na ocasião, tocamos “Basta”, do EP Ataque Zumbi, e estamos vendo quais do Cipó Fogo vamos tocar nessa próxima oportunidade. 

Vocês acreditam que a música pesada tem o poder de influenciar a opinião pública e causar mudanças sociais?!

Se eu acredito que a superação do capitalismo vai surgir de algum artista da música? Penso que não, mas é um tijolo ali, em uma construção mais ampla e coletiva. Então, sim, no seu espaço, na sua comunidade, no seu público. Seu raio de ação. Soma algo. Sempre. Se alguém se identifica com a mensagem, já valeu, pode provocar um debate, sensibilizar sobre temas… O papel da arte mesmo.

O tema política está em falta na música brasileira (seja ela pesada ou não)?!

É um tema entre tantos. Ninguém, nem artistas nem público, tem obrigação de ser militante. Está a dimensão do entretenimento também, que é importante, de curtir um som, simplesmente.

Por que trabalhar os formatos de EP e não lançar um álbum cheio?!

Born Enslaved tem cinco músicas, acho que é um bom formato para expressar uma ideia e abrigar um conceito. Um full album faria mais sentido se fosse um lançamento em formato físico, o que não está nos planos por enquanto. Além disso, exige maior fôlego, e como não somos autores em tempo integral, já que somos trabalhadores, temos família, corres, contas, que inviabilizam um pouco essa opção, ao menos por enquanto.

Qual objetivo ou existe um objetivo para o Cipó Fogo?!

O objetivo é esse mesmo, se expressar artística e politicamente através de um som que a gente se amarra em fazer, escutar e compartilhar com as pessoas. 

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