Por Victor Mafra*

Me lembro de ter ouvido Ludovic pela primeira vez nos meus 15, 16 anos, por recomendação de amigos músicos. De primeira não me engracei com a sonoridade. Depois de algum bom tempo, fui ouvindo e me interessando cada vez mais pela proposta e a forma intimista de explorar a sonoridade e linguagem em seus métodos.

Com a entrevista de hoje, talvez vocês possam entender melhor o que pode ter motivado esse estranhamento inicial e, em seguida, o apreço pela banda e o projeto solo do entrevistado.

Jair Naves é músico, cantor e compositor brasileiro. Ele ficou conhecido principalmente por seu trabalho como compositor e vocalista da banda paulista Ludovic. Sua carreira solo vem recebendo cada vez mais destaque, com álbuns que exploram temas singulares mas sociais, combinando elementos de rock, punk, post-hardcore e várias outras inspirações com a música brasileira.

Sua trajetória parece marcada por uma busca incessante por novas sonoridades e significados. Desde suas primeiras incursões no mundo da música, influenciado pelas som do rock nacional dos anos 80 até a imersão nos ritmos alternativos que moldaram sua adolescência, Jair nos explicou um pouco os alicerces de sua jornada artística.

Ao retornar ao Brasil após uma temporada nos Estados Unidos, o compositor não apenas trouxe consigo bagagem, mas também uma nova perspectiva criativa. Os anos vividos em terras estrangeiras parecem ter agido de forma catártica para sua evolução artística, instigando-o a explorar novas sonoridades, linguagens e a abranger mais ainda suas próprias concepções musicais. Algo possível de ver com o lançamento de seu álbum mais recente, Ofuscante A Beleza Que Eu Vejo repleto de experimentações e reflexões sobre a vida, a arte, a busca por novos significados e linguagens.

Capa do álbum Ofuscante A Beleza Que Eu Vejo (2022)

Além das notas e acordes, a inspiração de Jair Naves parece residir nas interações humanas, nas experiências de vida e nas múltiplas formas de percebê-las.

Confira a entrevista a seguir:

Conte um pouco sobre o que começou a te introduzir na música e suas referências (tanto no seu projeto solo quanto nas bandas passadas).

Jair Naves: Minhas primeiras memórias nesse sentido, de me sentir instigado e atraído por música, são ligadas ao que meus irmãos mais velhos ouviam quando eram adolescentes e eu ainda criança. Isso se deu nos anos 80 e lembro bem de ter um certo fascínio pelo que eles escutavam – basicamente as bandas nacionais de rock mais populares da época, o tipo de coisa que tinha bastante exposição em rádio e etc. Especialmente nos meus seis, sete anos, idade em que eu acredito ter passado a ter um discernimento maior do mundo – ou pelo menos de quando datam as minhas primeiras memórias. Os primeiros discos que eu me lembro de ter segurado na vida foram o Dois e o Cabeça Dinossauro

Ainda assim, era um interesse secundário na minha vida. Só fiquei realmente fascinado por música durante o começo da minha adolescência, que coincidiu com toda a explosão do rock alternativo estadunidense e os primeiros anos da MTV Brasil. A partir daí, a cada ano que se passava eu estava mais e mais imerso nesse universo, pesquisando da forma que eu podia a respeito. Quando finalmente cheguei na produção independente brasileira, tanto na primeira geração punk daqui quanto nas bandas underground dos anos 90, me deu um estalo de que talvez eu também pudesse tentar criar algo meu, minhas próprias músicas e tudo mais.

Sobre referências, mudam o tempo todo, chega a ser difícil apontar alguns nomes que eu acho que tenham sido determinantes em todos esses anos. Cada vez mais tenho buscado aprender sobre estilos de música e artistas com os quais eu não tenho a menor familiaridade. Não só por uma curiosidade que eu acho saudável e em certa medida até fundamental para quem se propõe a criar qualquer coisa, mas também para expandir meu vocabulário, ver se há algo que eu possa adicionar ao que eu faço, se é uma linguagem na qual eu me sentiria confortável criando.

Depois de todos esses anos fazendo música e sendo “artista independente”, o que continua te dando o ímpeto de fazer música?

Não foram poucas as vezes que eu me fiz perguntas semelhantes a essa. Semana passada o primeiro disco que eu lancei com músicas minhas fez vinte anos. Me fez pensar bastante nisso, nas motivações para seguir e no que eu fiz até agora. Creio que a resposta mais honesta é que fazer minhas músicas e tocá-las por aí segue sendo uma das coisas que faz a vida valer a pena. De uns anos para cá tenho tentado aprender novos instrumentos, repensar as fórmulas com as quais eu escrevo, e esse estado de aprendiz, de iniciante, tem me feito muito bem. 

Existem artistas que lançam seus melhores trabalhos logo nos primeiros anos de prática. Outros, levam décadas se aprimorando até lançar o seu trabalho definitivo. Realmente acredito ser do segundo tipo. Quando penso no meu melhor álbum, a minha melhor música, o melhor show da minha vida, sempre tenho a sensação de que ainda não cheguei lá, de que preciso estudar e aprender mais para conseguir alcançar um resultado que me dê essa sensação.

Voltar ao Brasil, depois do período que você passou nos Estados Unidos, te trouxe novos olhares criativos para suas composições? 

Jair: Sem dúvida. A experiência de viver em outro país, ter que se expressar sempre em um idioma diferente, se expor a uma cultura distinta, tudo isso faz você repensar e reafirmar toda a sua identidade. E esses cinco anos morando em uma cidade como aquela [Los Angeles], que atrai artistas do mundo inteiro e oferece inúmeras possibilidades de aprendizado, foi um dos acontecimentos mais enriquecedores da minha vida.

No seu álbum mais recente, Ofuscante A Beleza Que Eu Vejo, percebi uma sonoridade diferente. Chamaria até de mais experimental do que os últimos trabalhos, o que te fez chegar nesse som? 

Jair: Acho que essa também passa um pouco pela resposta anterior, pelo fato de ser um retrato de um período em que fiquei afastado do meu país e mesmo da minha música por algum tempo – o que me proporcionou muito tempo de reflexão sobre o que eu estava fazendo, além de uma inquietação na busca por novas alternativas. Mas acho que vai ultrapassar isso. Como falei antes, de uns anos para cá passei a me interessar mais por outras formas de se fazer música, comecei a ouvir majoritariamente artistas de gêneros bem diferentes do meu e assim tentar implementar elementos distintos para as minhas composições. Creio que esse talvez seja o álbum em que essa procura por uma nova linguagem mais se fez presente.

Já faz algum tempo desde que foi lançado seu último trabalho. Você está planejando algo atualmente?

Jair: Temos um single a ser lançado no próximo mês, nossa primeira música inédita em dois anos. E nesse meio tempo estou trabalhando na composição do próximo disco, ainda sem previsão de lançamento. Empolgado com as possibilidades que essas novas canções estão oferecendo. Espero poder compartilhar com vocês o quanto antes.

O que mais anda te inspirando além da música? 

Jair: Tudo que surge na minha vida e que desperta alguma reação emocional ou intelectual acaba tendo influência no que eu produzo. Então acho que as relações pessoais, as transformações pelas quais todos nós passamos com o passar do tempo, o processo de autoconhecimento e a descoberta de si mesmo… além dos elementos musicais e estéticos, creio que esses aspectos acabam aparecendo muito nas composições e tornando os álbuns bem diferentes entre si, pelo menos na maneira que eu os enxergo.

Também acho, e já pedindo perdão pela redundância, que interesses novos que eu adquiri à medida em que fui amadurecendo também se refletem no que eu digo nas músicas e em como eu lido com o acabamento das mesmas. Sejam novos autores, livros, músicas, filmes, formas de ver o mundo… enfim, tudo acaba moldando a gente, o que a gente faz. E também me percebo tentando variar o estilo de texto que apresento nas letras, encontrar variações melódicas e harmônicas, fugir um pouco das fórmulas que qualquer um que faz isso por algum tempo acaba desenvolvendo. 

A sua antiga banda, Ludovic, se destaca até hoje entre vários públicos diferentes. Eu ouvi sobre primeiro de um pessoal mais ligado ao rock alternativo, mas já conheci muita gente até pelo grindcore que também curte e se influencia do som da banda. Por qual motivo você acha que o público de vocês é tão abrangente? 

Jair: Eu realmente não sei, a bem da verdade acho que sou a última pessoa adequada para fazer esse tipo de análise. O que eu percebo é que muita gente se sente atraída pela espontaneidade do que fazíamos, pelo fato de que conseguimos criar algo com alguma personalidade própria ou mesmo como abraçávamos nossas limitações dentro do que fazíamos. Quase como se nossas imperfeições fossem as nossas maiores virtudes. Acho bonito isso, comovente mesmo. Tem uma lição importante a ser tirada daí, acredito.

Como esse modelo mais contemporâneo de divulgação da música via redes sociais/streamings afetou seu trabalho?  

Jair: Meu trabalho como compositor e músico, no sentido literal desses termos, continua praticamente o mesmo. Talvez com a diferença que eu tenha mais ferramentas para realizar minhas criações, o que é ótimo, me faz querer evoluir e me proporciona alternativas que eram impensáveis quando eu comecei. 

Na parte de divulgação mudou tudo, realmente, mas não acho que seja necessariamente para pior. Não acredito que há vinte, quinze ou dez anos a situação fosse tudo mais favorável – em alguns aspectos sim, mas gosto das possibilidades oferecidas pelo que temos à disposição hoje em dia. Além do mais, tendo a combater qualquer tendência ao saudosismo ou a uma amargura vinda de uma inadequação com relação aos tempos atuais. Há espaço e público para tudo, mais do que nunca. Tento me agarrar a isso e ao sentimento que tenho de que ainda estou apenas começando.

*Victor Mafra é jornalista e músico, integrante da banda Mãe Que Dá Medo.

Deixe um comentário

LEIA TAMBÉM