Fim de 2023 batemos um papo (eu, Alexis Peixoto e Pedro Lucas) sobre as mudanças que a música e sua indústria estavam sofrendo. Mais uma vez. Na verdade, é uma mutação constante onde hoje em dia até a quantidade de plays nas plataformas de streaming escalam artistas em festivais. Eis que chega uma mensagem pra gente pelo Instagram de um artista perguntando se tínhamos ouvido o disco e dizendo “achei ótimo, mas não teve tanta repercussão”.

Resolvi ouvir e gostei. E parti para bater um papo com ele. No meio da conversa, Felipe Marré, de Colatina (ES) diz que tem 17 anos. Mora com os pais, que não incentivam a fazer música, e que a cidade onde mora não tem espaços para tocar. A música é um hobbie que o coloca no lugar que ele realmente nasceu para estar. Um lugar que, no momento, é de trabalho e estudos. Não que isso vá deixar de existir.

No fim do papo está o disco Livre dos Males para audição. Um disco intimista, que revela muito do autor. Sonoridade que vai do pop ao experimental. O que é ótimo.

O Inimigo – Começo perguntando como o disco foi gravado. Tem uma pegada lo-fi, foi em casa?

Felipe Marré – Foi tudo em casa. Mas os jeitos de gravar foram um pouco diferentes. Fiz o disco com o Lele, da Ciclo de Tormentos. E nisso as músicas que eu compus, eu produzi. As que ele compôs, ele produziu e etc. As minhas foram gravadas no meu quarto, num celular!

As influências são diversas e tem desde uma pegada mais experimental, noise, até pop. Como foi a construção do repertório do disco?

A ideia era ser diverso mesmo. Eu e o Lele, por mais que tenhamos influências diferentes, nós conversamos muito bem musicalmente e acho que essa gama de influências ajudou demais. O Lele traz uma pegada mais slowcore e shoegaze, e eu mais experimental, rock e mpb.

Você disse que o disco não teve um alcance bom. Como você divulgou o disco? Traçou alguma estratégia? Tem alguma assessoria por trás?

Nossa maior divulgação é o Twitter por conta da bolha do underground que sempre divulga esse tipo de coisa e tal. Tentamos no TikTok também, mas não deu tão certo. Não temos nenhuma assessoria ou selo, então temos que dar nosso próprio jeito.

No final de 2023, no último podcast que gravamos, falamos sobre a problemática dos streamings. Principalmente do Spotify. Foi dito que iriam tirar discos que não tivessem o mínimo de execuções. Por outro lado tem artistas com produtoras por trás e propaganda massiva. É bem desnivelada a disputa. Como vocês pensam em quebrar isso? Ou não pensam e vão continuar nas redes sociais divulgando pessoalmente?

Infelizmente nós não temos como fazer nada a respeito, a gente dá duro, faz o que pode, mas no fim do que adianta se nós viemos do interior e não temos como investir dinheiro no nosso trabalho musical? A verdade é que essa centralização massiva ao redor do mainstream só mata a arte e o sonho de quem sonha em ser um artista, mas não se identifica com o cenário comercial. Mas apesar de tudo, sempre vamos estar dando um jeito porque amamos MESMO a música por mais que seja desanimador tudo isso.

Os festivais também não têm privilegiado o tipo de sonoridade que vocês fazem. A questão deva ser procurar locais específicos pra tocar. Quanto a shows como esta a situação? Tem tocado?

Nem um pouco. Moro no interiorzão, então não tem nem um resquício de qualquer tipo de cena aqui que não seja o forró ou sertanejo. (risos) Vez ou outra me reúno com uns amigos pra tocar, mas sempre entre nós mesmos pela falta de demanda de artistas do nosso som.

De onde você é?

Colatina, Espírito Santo.

Não tem nem bar onde as bandas se apresentem?

Pior que não. O máximo que eu fiz foram umas duas ou três apresentações num bar, mas eu cantava MPB e essas coisas, nada muito fora da caixa. Quando tem banda underground aqui geralmente é de outra cidade e faz o show em algum lugar público, como uma quadra de basquete ou pista de skate. (risos)

A opção seria ir pra Vitória ou Vila velha.

Pois é, o normal é isso. Mas eu sou menor de idade, aí complica um pouco.

Eita. (risos) Tu tem quantos anos?

17 aninhos. (risos) Ainda moro com meus pais, aí eles se preocupam muito sobre muita coisa. Então não tenho muita liberdade pra viajar sozinho, ainda mais pra fazer show.

Mas rapaz. Então toda essa preocupação com o alcance da música, bote pra frente em forma de estudar formas de crescer mais. Mandar pra curadoria de festivais e etc. Se inscrever em leis de incentivo.

É complicado, eles são contra a minha música. Então eu meio que faço escondido. (risos) Mas um dia ainda vou ter meu tempo pra me dedicar mais.

Hoje mesmo tava ouvindo o podcast de Roberta Martinelli com Melina Hickson que é empresária de artistas daqui do NE e faz parte do Porto Musical em Recife. Dá uma sacada.

Pô gosto muito da Roberta. Acho o Cultura Livre genial.

Onde você pretende chegar com a música? Tem artistas/bandas que querem ficar no underground ou ali no meio da cadeia da indústria. Outros já pensam grande, os mais pops. Qual sua pretensão?

Sendo sincero, eu não tenho uma meta nem nada do tipo. Óbvio que ser reconhecido é um sonho e tal, mas eu sou completamente desencanado disso. E faço minhas músicas para minha própria diversão mesmo. Sei que o mercado é cruel com o que eu normalmente gostaria de fazer, então prefiro investir meu tempo na música como um tempo de lazer. E não comercial.

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