Em 2023, as mulheres estão (novamente) com tudo nas paradas de sucesso e da crítica lá de fora – não foi apenas a acachapante Beyoncè e sua turnê que mudou a inflação na Suécia, ou os lineups tomados por mulheres headliners, mas nesse primeiro semestre uma plêiade de discos novos e importantes assinados ou capitaneados por mulheres tomou de assalto os players mundo afora. Das esquisitice do duo Water From Your Eyes ao neo-grunge da Wednesday ao renascimento brutal do alt-country pelas Boygenius; do pop conceitão de Yaeji e Kelela às incursões no folk de spoken word jonimitchellanista de Kara Jackson; até o eletrônico de Avalon Emerson, o cenário é farto.
Abaixo, um compêndio breve de alguns dos discos notórios feitos pelas minas nesse primeiro semestre:

boygenius – The Record
O trio formado por Phoebe Bridgers, Julien Baker e Lucy Dacus lançou seu primeiro full lenght em março desse ano. Rebobinando a fita do alt country, soando às vezes como Gillian Welch, às vezes como Lucinda Williams topando com o Son Volt, ou mais diretamente ainda, soando como suas obras particulares cantadas em conjunto, as três cantoras americanas alcançam o rock de arena na faixa ‘20$’, um dos grandes BANGERS de 2023, e o garage alt country em ‘Satanist’. Mas o centro gravitacional que sustenta a força do projeto é quando as vozes são arranjadas como os cantos fúnebres do oeste, como em ‘Emily, I’m Sorry’ ou ‘Not Strong Enough’.

Kara Jackson – Why Does the Earth Give Us People to Love?
Poeta laureada pela National Youth Poet Laureate, Kara Jackson reuniu em seu disco de estreia alguns dos nomes mais candentes da música de Chicago nos últimos anos: com participações de KAINA, NNÄMDI e Sen Morimoto, que se dividem entre vocais, violões, guitarras, baterias, xilofones e são escudados por arranjos de cordas refinados, a banda formada por Jackson estende o tapete pra que a poeta e cantora possa desfilar com suas caudalosas músicas de estreia. Em ‘Dickhead Blues’, Kara não teme misturar a ironia auto indulgente junto aos comentários políticos de quem leu muito Angela Davis; em ‘Rat’, ela soa como uma Joni Mitchell compondo pra SZA cantar, e em ‘no fun/party’, uma beladona folk dividida igualmente em duas porções, Kara diz “I wanna be as dangerous as a dancing dragon’.

Water From Your Eyes – Everyone’s Crushed
A cilada de classificar algo de ‘inclassificável’ se monta de ponta a ponta em torno desse disco do duo Water From Your Eyes, formado por Rachel Brown e Nate Amos. Considerado um verdadeiro mix-up de ultrapop, indie pop e deslizando no escorregadio e abandonado território do antigo trip-hop, a banda traz um dos discos liricamente mais intrincados do ano e oferece momentos de esquisitice jubilantes como ‘Out There’ e ‘Remember Not My Name’, além da faixa título e da faixa de abertura, que conecta o duo a outro duo estranhaço que ocupou os players mundiais desde os últimos anos, o Jockstrap.

Avalon Emerson – & the Charm
Antes de ser uma espécie de Carole King meets Saint Etienne, Avalon Emerson era uma DJ de techno referendada na cena eletrônica berlinense (saindo diretamente da Califórnia pras pistas mais perigosas, tocando até mesmo no Brasil numa Gop Tun). Desde 2019, ela começou a construir, junto da esposa Hunter Lombard, as músicas fariam parte desse disco de estreia, que também é um retorno às próprias concepções iniciais das suas inspirações musicais – em uma entrevista pra Pitchfork, Emerson comentou que sempre fez músicas mais acústicas, boas de se cantar com uma guitarrinha. Fato é que ‘& the Charm’ não chega ao ponto de se tornar um disco de baladinhas ou baladonas, mas constitui um ponto de ebulição que eriça as pistas ou embala momentos de constrição completa do ouvinte. É possível ensaiar uns passinhos com ‘Sandrail Sillhouette’ e ‘Astrology Poisoning’, mas também experimentar o quasi-eletrofolk de ‘Entombed in Ice’. Algo do dream pop circunda todo o disco, e Avalon Emerson abre seu leque guitarrável para além dos beats cuidadosamente selecionados.

Yaeji – With a Hammer
É martelada forte o disco que alça Yaeji à maturidade de seu som. Não que ela já não parecesse surgir com unhas, dentes e cabelos, brandindo o dedo em riste fazendo um pop ou synth pop cheio de novidades. É que agora ela sabe muito bem intercalar o hit mais cadenciado com os bangers de pista, tomados por sua habitual ambientação freaky com sua voz dobrada atravessando as canções. A capacidade de absorver e distribuir influências do jazz, do techno, do ambient e de outros estilos experimentais para dar forma a canções pop como ‘Passed me By’, tornam Yaeji preponderante num formato que parece pertencer apenas a ela. É coisa de se ouvir e identificar no mesmo segundo uma esquisitice muito particular.

Kelela – Raven
Assim como no mundo freak de Yaeji, há particularidades na forma da canção que Kelela apresenta desde Take me Apart, seu disco anterior que angariou os louros do sucesso com a crítica e o público mais ávido pelo conceitão de clubber. Mas em Raven essas particularidades ganham uma dimensão onírica e apontam pra horizontes que até então não eram muito fisgados pelo universo da cantora, como o drum&bass, o garage, a incorporação de influência de artistas como Kaytranada, Junglepussy e LSDXOXO, que inclusive participam do disco, sendo dirigidos e reposicionados por Kelela. É o disco ao mesmo tempo mais pop e mais profundo, coroando a boa fase com o hit ‘Contact’.

Wednesday – Rat Saw God
Karly Hartzman não para quieta faz uns anos. Desde Twin Plagues, em 2021, ela azeita sua mistura de grunge, lo-fi e alguma flutuação do punk, a cantora chegou à sua obra principal até agora, marcada pelos doze minutos da profunda Bull Believer. Escudada pelo guitarrista MJ Lenderman, a baixista Margo Schultz, o baterista Alan Miller e o guitarrista Xandy Chelmis, Hartzman consegue equilibrar a delicadeza de sua voz com a porrada sem dó guitarreira em quase toda a totalidade do disco. É um caminho estreito pra chegar ao formato quase niilista do grunge dos anos 90, mas com uma plasticidade que eleva a experiência para além das categorias clássicas de rock.






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